sábado, 7 de maio de 2016

O jornalismo de suposição

Já repararam que uma série de matérias nos jornais, revistas e TV (especialmente ligadas à política e à economia) não estão baseadas em fatos, mas em suposições? Teorias do que pode acontecer, especulações, conversas de corredor...

O compromisso com a informação, com a notícia, com o fato parece secundarizado. Não é esquisito?

Quando será que deixamos de fazer jornalismo baseado na
realidade e passamos a fazer jornalismo sobre as realidades possíveis? E, com que objetivo falamos mais do que pode acontecer do que daquilo que realmente aconteceu? Ainda não tenho essas respostas... Mas vou dar alguns exemplos de como o "antijornalismo" está ganhando espaço.

Uma das matérias de destaque de O Globo de hoje é que "Dilma planeja deixar o Palácio do Planalto descendo a rampa". Pergunto: aconteceu? Podemos dar um lide para essa matéria (o que aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu, como aconteceu, por que e com quem aconteceu)? Não, não podemos. E por quê? Porque não está baseada em fatos, mas em suposições.

Quer ver outros exemplos?

Veículos 'autônomos' estarão nas ruas em cinco anos - aqui também se trata de uma suposição. Ainda que o título seja afirmativo, nada na matéria indica as reais condições para que esses carros estejam de fato nas ruas nesse período de tempo. Não dá para aplicar o lide (aquelas seis perguntinhas pra situar o leitor) aqui também...

Dólar deve ficar abaixo de R$ 4 e não voltará a bater recorde - do começo ao fim a matéria é especulativa. Há apenas previsões que dependem do desenrolar de fatos políticos. O único fato em todo o texto é que o Banco Central tem realizado venda de swap para manter o dólar próximo de R$ 3,50. E este fato não apresenta desdobramentos. Nenhum epecialista foi ouvido, por exemplo, pra dizer se a estratégia é boa para o pais. A matéria não se dá ao trabalho de aprofundar as consequências desse único fato. Bem, eles não fizeram, mas eu faço. Tento explicar leigamente: operação de swap é uma espécie de venda de dólar no chamado mercado futuro. O BC emite papéis de dólar dizendo que se responsabiliza em pagar a diferença para os investidores, caso o dólar passe a valer mais que os papéis vendidos - embora consiga segurar por um tempo o patamar da moeda estrangeira, pode gerar prejuízos de bilhões para o BC. Em 2015, foram aproximadamente R$ 90 bilhões de prejuízo. Sim, somos nós que pagamos essa conta.

Incêndio pode reduzir em 25% produção de petróleo do Canadá - a história é que um incêndio de grandes proporções atinge uma cidade no Canadá. Milhares de moradores estão sendo retirados, mas o foco da matéria não é no que está acontecendo, não é na vida dessas pessoas, mas no que pode acontecer: o provável, mas incerto, impacto na produção de petróleo local. Embora o assunto seja o incêndio, ele é totalmente secundarizado por algo que não aconteceu. Nenhuma autoridade ouvida, nenhum morador ouvido, nenhum dado concreto sobre quantas pessoas deixaram suas casas, para onde estão indo, se há mortos ou feridos, quando o fogo começou, se há residências atingidas ou se a medida é preventiva... Nada.

Como dar credibilidade a um jornalismo que não exerce sua função social?


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