quarta-feira, 27 de abril de 2016

Estamos vivendo o fim da democracia liberal, afirma Christian Laval

Em debate realizado na UFRJ na última semana, o sociólogo francês Christian Laval afirmou que a crise espalhada por todo o mundo não é só financeira, mas também dos sistemas democráticos nos países considerados "livres". E que isto é reflexo da atual fase do neoliberalismo. “O neoliberalismo ameaça destruir o imaginário democrático”, disse. O atual momento político-social vivido em todo o mundo e também no Brasil é denominado pelo sociólogo como “pós-democracia” ou “desdemocratização”. Para ele, o neoliberalismo busca acabar com o sistema político de representação pelo voto. Vamos entender seu pensamento?

Christian Laval é autor, junto de Pierre Dartot, do livro “A nova razão do mundo: Ensaios sobre a sociedade neoliberal”, lançado no Brasil pela Editora Boitempo

Clique aqui para assistir a palestra em Francês. Para assistir a versão traduzida para o Português, clique aqui.

“A razão neoliberal está acabando com o arcabouço que permitia a coexistência de um regime de sufrágio universal e uma economia liberal capitalista. Não se trata apenas da invasão do mercado e da redução do Estado. É a mudança de uma racionalidade que passa por todas as esferas da vida”, disse.

Essa mudança de organização da vida em sociedade, segundo Laval, refletiria a racionalidade empresarial. “É como se todas as formas de existência precisassem ser moldadas sob o paradigma das empresas”.

Ele reconhece que o sistema representativo permitiu a manutenção das classes mais ricas na condução da política e da economia mundiais, “mas abriu brechas” para a contestação. “O Estado de Bem-Estar Social talvez tivesse sido impossível sem o sistema representativo”. Ele citou, ainda, como exemplo, as pressões exercidas pelos sindicatos para que fossem montados sistemas previdenciários e conquistados diversos outros direitos trabalhistas.

Porém, parece que se esgotou especialmente na Europa e na América Latina este tempo: “O neoliberalismo é um conjunto de medidas e discursos que fecham as possibilidades do bem-estar social. Está ocorrendo o esvaziamento da democracia representativa. O neoliberalismo é antidemocrático”, afirmou.

As principais características do modelo

A ideia básica é que as regras do mercado permeiem as leis e sejam assimiladas por toda a população. Uma das iniciativas, neste sentido, é a “despolitização da política com a implementação de aspectos técnicos de governança”. Já não seriam necessárias lideranças políticas, mas gestores da máquina pública para atuarem na condução do Estado. É preciso ter eficiência, eficácia. É preciso tratar o Estado como empresa.

Laval citou o exemplo da Constituição da União Europeia, que é regida por regras de mercado e que está acima das constituições dos Estados que compõem o bloco econômico. O “fator econômico é maior que qualquer outra necessidade política ou social”. A globalização, segundo o sociólogo, ajuda a impor a vontade dos mercados mundiais sobre as populações.

Christian Laval. Foto de Paola Manfredi, Revista Números Rojos
Outra característica do neoliberalismo bastante marcada por Christian Laval é a modificação das relações entre governantes e governados. “A democracia liberal pressupunha a predominância da esfera pública sobre a privada. Havia uma relação com o bem público”. No entanto, a “racionalidade neoliberal” dilui o direito público e o substitui pelo direito privado. A figura do cidadão seria substituída pela figura do consumidor que “exerce sua cidadania no mercado”. Para a composição deste novo cidadão, é necessária, de acordo com o sociólogo, uma mudança também na educação da juventude. “Conteúdos são modificados. Professores devem ensinar o espírito empreendedor e não mais a moral pública. Há um desmantelamento de valores”.

Outra característica do neoliberalismo (e também do próprio liberalismo) é a sua necessidade de ser “pragmático e neutro”. “É uma forma de se proteger e dialogar com as diversas formas de pensamento”. Assim, a aparente contradição entre neoliberalismo e o crescimento de vertentes conservadoras dá lugar a uma convivência harmônica, desde que a preocupação central seja a da manutenção do modelo de gestão empresarial.

Nova forma de totalitarismo?

Christian Laval reconhece que esta “nova forma de democracia transformada em gestão empresarial” aparenta ser uma espécie de "neototalitarismo". “O conteúdo das políticas é ditado pelas multinacionais. As empresas, então, passam a deter todo o poder do conjunto do campo político-social”. Porém, no neoliberalismo, não existe a dimensão da imposição “de cima para baixo”. “Os cidadãos são levados a escolher. A totalização está acontecendo através de uma norma transversal, que passa por todas as esferas da vida social. Ela força os indivíduos a exercerem uma liberdade de escolha”.

A forma subjetiva como o neoliberalismo atua na sociedade levaria o agora consumidor a ser responsável pelo seu futuro. “Aparentemente, tudo vai depender das escolhas que ele vai fazer para tornar-se capital. As grandes instituições mundiais, como o Banco Mundial e o FMI, organizaram seu discurso em torno da ideia de que a educação é um investimento, mas não um investimento coletivo, e sim um investimento privado. Elas dizem que é preciso reorganizar as escolas em torno da ideia de que cada um exerce sua própria educação e investimento para que se desenvolvam como capital”.

A partir da tendência de “previsão do lucro” ao longo da formação dos estudantes, essas mesmas instituições orientam a mudança da forma de financiamento desses estudos. Muda, junto, a lógica educacional, com a abdicação de disciplinas como Sociologia, Filosofia e Literatura, por exemplo. “Além disso, os estudantes precisam pagar mais para tornarem-se responsáveis por sua formação. É preciso que eles escolham as suas disciplinas e se coloquem como investidores”. Assim, entra em cena outra ferramenta: a do financiamento estudantil. “É importante que eles saibam quanto gastaram para que façam a comparação com o quanto poderão lucrar”.

A moda é a da superação

Laval associou a construção da necessidade de superar limites com os esportes de alto desempenho. No neoliberalismo, há um “novo tipo de comportamento que consiste em responsabilizar cada um para que supere suas próprias expectativas, para que busque mais, para que voe cada vez mais alto, cada vez mais longe. Algo comparado a esporte de alto nível. Não é por acaso que grandes empresas investem altas quantias no esporte. Não é só para obter altas taxas de lucro, mas também para alimentar esse imaginário da superação”.

Com a superação, entra em cena mais um elemento: a ausência de limites. “A norma não é mais um limite. É necessário o desejo, a pulsão”. Justamente parte da crítica dos neoconservadores. Além de serem avessos aos direitos das minorias, esses grupos se apoiam em normas rígidas de conduta. “Eles não se dão conta de que o capitalismo e o neoliberalismo precisam dessa ausência de limites”.

Efeitos

A exaltação do modelo empresarial, a busca incessante de metas, a ausência de limites e a desvalorização da dimensão política gerariam, para Laval, “efeitos culturais, morais e políticos muito perigosos”. Mentira, cinismo, ignorância, brutalidade, fascinação pelo dinheiro estariam entre esses efeitos. “A esquerda durante muito tempo combateu essas posturas, mas a sua transformação no mundo todo, não toda ela, também tomada por esse espírito, acaba por sucumbir à desmoralização. Deixou-se levar pela privatização, pelo enriquecimento fácil”.

A população, então, reage com o sentimento de que todo sistema político é corrupto. Passa, então, a se abster em eleições e não tomar posicionamentos públicos. Cresce, com isso, a extrema-direita fascista e não fascista. “Outra reação mais esperançosa é a tentativa de grupos buscarem novas formas de luta e de democracia, com a ocupação de praças e outras ações. Esses movimentos destacam a defesa dos espaços comuns, do bem comum. Sairíamos da desdemocracia ‘por cima’”.

Esse momento pós-democrático, para Christian Laval, é duradouro: “O neoliberalismo tratou de fazer a juventude acreditar que só existe o capitalismo como eterno presente. No Brasil, atualmente, há uma aceleração desse processo”.




segunda-feira, 25 de abril de 2016

Difícil entender o silêncio sobre Cunha

A "seletividade" tem estado em alta. É tanta gente falando sobre esta palavra e suas derivações, mas parece que palavras se vão conforme o vento bate. E acabam por não surtir, muitas vezes, o efeito que deveriam: fazer as pessoas refletirem.

A "reflexão" me parece pouco utilizada em um momento de polarização política e efervescência do cenário político-econômico. As paixões estão mais exacerbadas do que a capacidade crítica. É a minha impressão.

Bem, digo isto porque independentemente de ser a favor ou contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff, precisamos refletir sobre o que está acontecendo no Legislativo nacional. O esforço vai valer à pena. Garanto! E ainda podem "rolar" sons interessantes de panelas batendo... Ou outros protestos, conforme o gosto do manifestante.

O que não pode continuar é este silêncio sepulcral com
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) segue tranquilo à frente da Câmara.
 Foto de Miguel Schincariol/AFP
relação ao processo de cassação do deputado Eduardo Cunha. Silêncio vindo dos grupos que apoiam o impedimento de Dilma Rousseff – é preciso dizer. O que tenho notado nas ruas é que somente quem é contra o impeachment de Dilma faz protesto contra Cunha. Não dá para ser assim. 


Se há algo que pode verdadeiramente unir o país é a luta contra a corrupção. Nenhuma cidadã e nenhum cidadão que paga seus impostos e necessita dos serviços públicos é a favor da roubalheira. Os desvios de milhões, de bilhões de reais fazem muita falta na Saúde, na Educação, no saneamento básico, na melhoria das condições de vida da população. Bem, neste raciocínio, se a bandeira é contra a corrupção, o número um na lista dos que devem ser cassados é justamente Eduardo Cunha. 

O prazo regimental para que o processo de Cunha (réu, mas presidente da Câmara dos Deputados) seja julgado terminou em 22 de abril. Segundo o regimento da Câmara, em 90 dias úteis ele deveria ser declarado culpado ou inocente por ter mentido na CPI da Petrobras. Ocasião na qual ele afirmou que não possuía contas no exterior. Isto ocorreu em março do ano passado! No entanto, o que se descobriu foi uma "pequena" fortuna de alguns milhões de dólares na Suíça. 

Dinheiro, segundo as investigações, proveniente de propina da Petrobras. Vejam: não há indícios de crime. Há provas incontestáveis de crime. Mas... as coisas não têm caminhado como deveriam.

Além da morosidade nos trabalhos, correm recursos de anulação do processo de cassação de Eduardo Cunha na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Esta semana a CCJ deve começar a funcionar e se debruçar sobre esses recursos. Há cotações para que o presidente dessa comissão seja um aliado de Cunha. Todas as decisões que envolvem a CCJ devem atrasar ainda mais a tramitação do processo de cassação do deputado.

Caso a CCJ não acate os recursos, Eduardo Cunha promete entrar com novos pedidos de anulação, de suspensão de atos praticados no decorrer do processo e ainda ameaça recorrer à Suprema Corte. 

Com um grupo maciço de apoiadores na Casa, Eduardo Cunha segue intocável à frente da Câmara. Não é possível, repito, que haja esse silêncio absurdo quanto à permanência dele no Legislativo. 

Há, ainda, especulações sobre um possível acordo para que a CCJ não acate os recursos e o processo caminhe para a aplicação de uma pena mais branda que a cassação. Outros rumores sugerem a possibilidade de "erros" estarem sendo realizados propositalmente para facilitar a anulação de todo o processo. Bem, aguardemos os próximos capítulos... 

Se não houver pressão da sociedade, Cunha tem grandes chances de sair ileso e até inocentado de todo esse processo. Vamos fazer o favor de botar o bloco na rua? Ele deixar de conduzir a Câmara e se tornar inelegível pelos próximos oito anos é o mínimo que devemos exigir. Por uma questão de  ética e de coerência, panelas deveriam bater pela sua saída do poder público. Camisas verde e amarelas deveriam ser vestidas também contra a sua permanência no cenário político brasileiro.

Cronologia

A Folha de São Paulo publicou uma cronologia bastante resumida, mas bem esclarecedora, sobre as tentativas – até agora muito bem sucedidas – de atrasar o processo.

Cunha na Lava Jato e no Conselho de Ética

3.mar.15
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, envia ao STF 28 pedidos de abertura de inquérito contra políticos, inclusive Cunha

12.mar.15
Em depoimento à CPI da Petrobras, Cunha nega ter contas no exterior

16.jul.15
O lobista Julio Camargo, delator da Lava Jato, diz que Cunha recebeu US$ 5 milhões em propina

20.ago.15
Procuradoria-Geral denuncia Cunha por lavagem de dinheiro e corrupção

30.set.15
Suíça envia ao Brasil dados de quatro contas secretas de Cunha que teriam recebido propina

13.out.15
Pedido de cassação contra Cunha, de autoria de PSOL e Rede, é protocolado no Conselho de Ética

28.out.15
Mesa numera o pedido e o envia ao conselho, o que foi feito no prazo máximo de três sessões

3.nov.15
Processo é instalado, e Fausto Pinato (PRB-SP) é escolhido relator

19.nov.15
Com a ajuda de aliados, Cunha consegue suspender reunião do conselho que analisaria o parecer

24.nov.15
Defesa de Cunha pede o afastamento de Pinato da relatoria; sessão no conselho é mais uma vez suspensa

9.dez.15
Cunha consegue destituir Pinato; Marcos Rogério (PDT-RO) é escolhido novo relator

15.dez.15
Parecer de Rogério pela continuidade do processo é aprovado por 11 votos a 9. No mesmo dia, Cunha é alvo de fase da Lava Jato

16.dez.15
Procuradoria pede o afastamento de Cunha, que estaria obstruindo investigações

2.fev.16
Waldir Maranhão (PP-MA), vice da Casa e aliado de Cunha, anula sessão em que parecer foi aprovado

2.mar.16
Novamente, conselho aprova parecer pela continuidade do processo, por 11 votos a 10

3.mar.16
STF aceita a denúncia e Cunha se torna réu; Janot o denuncia pela segunda vez, agora por contas na Suíça

19.abr.16
Maranhão anuncia restrições ao conselho, que só poderá analisar se Cunha mentiu ou não à CPI



quinta-feira, 21 de abril de 2016

O que tem de mais em ser recatada?

Detesto fazer propaganda de qualquer coisa, mas em certos momentos é inevitável. Aquele velho ditado: "Falem mal, mas falem de mim" é tudo que os meios de comunicação desejam para continuar vendendo e dando audiência.

Mas... preciso falar da revista Veja (cospe!).

Aliás, antes de começar a falar sobre a revista, preciso falar
sobre Marcela Temer. A "quase primeira dama" "bela, recatada e do lar". Gente, não há nada de errado em QUERER ser isso. Criticar mulheres que querem ser bonitas, que querem ser quietinhas, que querem ficar em casa criando os filhos, que querem alisar os cabelos quando estes são cacheados, que querem se maquiar ou que querem qualquer outra coisa não é um bom caminho. 

Nós, que lutamos tanto pelo direito à escolha, não podemos apontar o dedo e dizer que Fulana, Beltrana e Cicrana estão erradas porque escolheram um caminho diferente do nosso. A máxima de que "lugar de mulher é onde ela quiser" tem que valer para todos os espaços. Para o bar, para o puteiro ou para o lar. Ou seja, Marcela Temer não é o meu alvo e não deve ser o alvo de ninguém, principalmente de outras mulheres.

Qual o problema, então, da matéria de Veja (cospe de novo!)? Já que a Sra. Temer pode ser "bela, recatada e do lar", encerram-se as críticas à revista. Certo? Errado! Totalmente errado!

O grande problema da matéria – escrita por uma mulher, mas pautada sabe-se lá por quem – é enaltecer um "modelo" a ser seguido por todas as mulheres. Cheira ao guia de como ser uma boa esposa, de 1955. O mundo, na década de 1950, queria aquele modelo de mulher, que fica em casa, que recepciona o marido, que o mantém feliz e seguro depois de um dia de cão, que não fala antes dele, que ouve atentamente suas queixas e que não pode reclamar nem mesmo se ele dormir fora. Não é um primor?

O tal guia termina dizendo que "uma boa esposa sabe o seu lugar". E parece que Veja (cospe, cospe, cospe!) relega a Marcela Temer, "a Mar do Mi", essa posição. Marcela "sabe" que seu lugar não é ao microfone, em cima de um palanque. "Sabe" que o seu lugar é o da "grande mulher atrás de um grande homem". O problema é esse! As inferências que a revista faz sobre a Marcela. E a exaltação do modelo a ser seguido.


É isso que não pode! Mulher deve ter liberdade para ser o que ela quiser, para fazer, ou não fazer, o que ela quiser. Conforme seus interesses, convicções, crenças. E ninguém tem absolutamente nada a ver com isso! Eu não posso ser tomada como modelo de mulher a ser seguido, nem minhas amigas, nem as que não são minhas amigas. Cada mulher é única e não deve ser questionada por suas escolhas. Cada uma sabe o que é melhor para si. É neste lugar que reside o protagonismo.

A crítica é à revista. Esta, sim, machista, conservadora, que trata a mulher como um objeto de decoração. Um bibelô. O vice decorativo teve sua esposa transformada também em artigo de decoração. Decoração dele próprio e, quem sabe, do Palácio do Planalto. 

Marcela Temer foi alçada ao hall daquilo que as mulheres devem ser. Daquilo que o país deseja como primeira-dama. 
E isso, Veja, nós não vamos engolir!!!

segunda-feira, 18 de abril de 2016

A campanha direcionada de O Globo

Embora o Grupo O Globo teime em afirmar na TV e no rádio que é comprometido com a verdade, com a isenção e com a imparcialidade, sempre age colocando por terra toda essa pompa de imprensa isenta.

Um dia depois da votação na Câmara, que decidiu pelo envio do processo do impeachment de Dilma Rousseff para o Senado, a capa do jornal O Globo e seu editorial são verdadeiras peças de campanha. Campanha a favor da queda do governo Dilma e de orientação para o vice-presidente Michel Temer.

A manchete "Perto do fim" escrita em letras garrafais já dá
o tom da comemoração. Outro aspecto que enaltece o feito é a necessidade de sublinhar os 25 votos "a mais que o necessário" para aprovar o envio do processo para o Senado. Em seguida, o texto de introdução na capa do jornal diz que "Dilma Rousseff começou ontem a se despedir da cadeira de presidente do Brasil". A frase desconsidera completamente que trata-se do envio do processo para o Senado que pode decidir por responsabilizar ou absolver a presidente. Ignora a necessidade de julgamento do caso.

A foto que ilustra a capa é do deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), que deu o voto 342 a favor do impeachment (o mínimo necessário para o encaminhamento do processo ao Senado). Ele está nos braços de seus colegas. Essa imagem é muito simbólica, considerando que Bruno Araújo foi citado nas planilhas da Odebrecht. E que também recebeu dinheiro da Queiroz Galvão, outra investigada na Lava-Jato. Essas empresas estão sendo investigadas, entre outras coisas, pelo esquema de propinoduto da Petrobras no Consórcio Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Estado do respeitável deputado.

Ainda na capa, um quadrinho chama para o editorial do
jornal (texto que expõe a opinião do veículo). "Um passo para o impeachment" é o título. O pequeno texto dá a orientação: "Falta o julgamento propriamente dito, no Senado, e Temer precisa agir" (grifo meu). Mais claro do que isso, só dois disso.

Lá na página 18, O Globo dá uma de assessor político de Michel Temer e do próprio Senado. Trata-se mesmo de orientação sobre os próximos passos do processo e as ações necessárias para que a agenda da direita seja implementada mais rapidamente.  Os "olhos" (pequenos textos em destaque dentro de uma matéria ou coluna) do texto de meia página dizem: "Trata-se de aprovação da admissibilidade do pedido de impedimento, ainda a ser julgado pelo Senado. Mas tudo precisa ser rápido, devido à situação do país". E: "Há etapas até a conclusão do processo, mas Michel Temer não pode esperar para fazer definições essenciais, a fim de combater as percepções negativas sobre o país". Obviamente, esta preocupação não tem relação com os trabalhadores, mas com os investidores.


Lá pelo meio do editorial, O Globo manda: "...picuinhas entre caciques peemedebistas, Renan Calheiros e Temer, e jogo de cena para buscar favores do Planalto precisam ser deixados de lado a fim de que se ponha para andar, com rapidez, o julgamento da presidente no Senado. Aceito o processo pelo Senado, Dilma será afastada por até 180 dias, durante os quais governará Temer. Mas, se esgotado o prazo e o julgamento não tiver sido concluído, Dilma volta. É indiscutível que este cenário será letal para todos: para Dilma, PT e Lula, porque serão mais fortemente responsabilizados pela catástrofe, e para a aliança que terá assumido o governo, ao lado de Temer, por não ter estabilizado o país" (grifos meus).




Pouco depois... "Mesmo que ainda falte o essencial, o julgamento, o vice Michel Temer tem de agir". Depois... "Michel Temer, então, não pode esperar inerte a abertura da fase de julgamento pelo Senado" (grifos meus). Eu nem preciso comentar, não é mesmo?

Para não ser injusta, o jornal orienta o vice-presidente a não fugir do tema corrupção, "mesmo que tenha de cortar a própria carne", e cita os envolvimentos de Eduardo Cunha e Romero Jucá em esquemas de corrupção. Ambos são denunciados pela Lava-Jato e são as figuras mais próximas a Temer.

A mídia "imparcial" está exercendo direitinho o Quarto Poder.




Quando uma criança de 11 anos questiona um deputado...

Gente, quando uma criança de 11 anos questiona, ridiculariza e desconstrói o discurso de um deputado, tem algo de muito errado, não acham? Meu filho ficou diante da TV acompanhando o circo formado neste domingo (17), por ocasião da votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff. E estava horrorizado com alguns discursos que ouviu. Um dos deputados disse: "Porque não estão respeitando o voto do povo brasileiro. Para que o povo tenha esse direito respeitado, eu voto SIM". Meu filho imediatamente arregalou os olhos e disse: "Oi?! Mãe, como assim ele vota a favor do impeachment dizendo que está respeitando o voto do povo brasileiro? A Dilma não ganhou por maioria?". 

E aí, o que você explica para a criança? É este o nosso (muito errado, ficou evidente) sistema de representação. Que, em última instância, representa seus próprios interesses. É sintomático a maioria dos votos ao SIM estar referendada nas famílias dos nobres deputados. 

Mas o show de horrores foi muito mais acentuado e teve como ponto alto Jair Bolsonaro (cospe!), do PSC-RJ, elogiando Eduardo CUnha (PMDB-RJ) e Brilhante Ustra, coronel torturador da ditadura militar. Ao declarar SIM ao impeachment, ele disparou: “eles perderam em 64 e vão perder agora”.

A internet também não perdoou. Selecionei alguns memes e comentários que ilustram bem o que vimos e ouvimos neste vergonhoso 17 de abril.














domingo, 17 de abril de 2016

O impeachment é, mesmo, contra a corrupção?

Vamos trocar umas idéias?

Aqui fala uma cidadã. Saio neste momento do meu lugar de jornalista. Para mim, o país já tem uma grande derrota: um processo de impeachment conduzido por um bandido. Isto, por si só, já nos coloca – a todos nós, brasileiros – como palhaços no centro de um grande picadeiro. Com o mundo todo rindo da nossa cara! Para começo de conversa, não dá pra chamar de sério um processo conduzido por um réu. No caso, o excelentíssimo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O que mais me choca são os discursos "contra a corrupção" que não questionam a sua posição de investigado e réu (vou repetir: réu!) da Lava-Jato. Vamos "desenhar"? Réu é aquela figura que esteve comprovadamente envolvida em um ou vários crimes e que deve responder por eles. No caso de Eduardo Cunha, o processo simplesmente não anda. Enquanto corre o de Dilma, que não é investigada pela Lava-Jato, cujas acusações de crimes não foram comprovadas – nem mesmo o de responsabilidade, Eduardo Cunha segue intocável! Aliás, intocável desde 1992, quando ele era presidente da Telerj (foi nomeado por Collor). Dá para entender?
Eduardo Cunha bancando uma de rei. Imagem da internet

Como ser a favor de um impeachment conduzido por um bandido? Um não, vários! Inclusive na Comissão do Impeachment, a maior parte dos deputados são investigados por crimes diversos. E sobra para os dois lados: respondem a processos tanto a turma do "fora, Dilma", quanto a do "fica, Dilma". Não são todos, tá gente, só mais da metade

Bem, a conclusão mais óbvia para mim é de que não dá para ir para rua dizer que está lutando contra a corrupção, não é mesmo? Este argumento, além de não fazer sentido, demonstra-se mentiroso! Não é para acabar com a corrupção. É para mantê-la. E voltarmos aos tempos em que se acreditava que estava tudo bem, porque não tinha ninguém investigando. Ninguém sendo preso. Tempos em que os chamados "crimes do colarinho branco" (lembram dessa expressão?) eram quase contos da carochinha de tão distantes da realidade do povo brasileiro.

Quem perde...

O governo Dilma é desastroso! Governa contra os trabalhadores. Temos, sim, que ir para as ruas (como já fiz várias vezes) protestar contra suas medidas fiscais, econômicas, contra a retirada de direitos. Temos que pressionar, combater o governo. E mesmo que o impeachment não aconteça, os trabalhadores estarão em maus lençóis. A política fiscal do governo Dilma é de cortes de direitos sociais! Não tenhamos ilusões.

Mas isto não é motivo para aceitar que haja um impeachment sem fundamento legal, sem provas de crime. Principalmente não dá para aceitar um processo instaurado e conduzido por uma quadrilha. Não dá para chamar isso de legítimo.

Mais vergonhoso do que ver parte da população gritar "fora, Dilma, somos contra a corrupção" é ver a imprensa brasileira claramente agindo como partido político, com lado definido a favor do impedimento da presidente. Dá vergonha ver jornais, telejornais e revistas veiculando matérias totalmente tendenciosas e que apontam Michel Temer como solução para o país.

A "Ponte para o Futuro", documento do PMDB para "tirar o Brasil da crise" é um horror. Leiam vocês mesmos. É para isso que defendem o impeachment. Futuro para quem?


sábado, 16 de abril de 2016

Rede Globo: nem fatos, nem objetividade

A mesa de encerramento do ciclo de debates sobre a imprensa e a cobertura do processo de impeachment, realizado  no dia 12 de abril, contou com a presença da professora Consuelo Lins, da Escola de Comunicação da UFRJ. Ela apresentou algumas gravações e uma breve análise do Jornal Nacional e do Fantástico no período do vazamento dos grampos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. 


Ontem, foi ao ar o debate sobre a TV brasileira, seu processo de constituição e sua ligação direta com os políticos nacionais. Leia aqui.


Professora Consuelo Lins. Foto: Silvana Sá
Consuelo demonstrou a construção da notícia nos telejornais. Para ela, não há fatos e muito menos objetividade no que é transmitido pela Rede Globo, ao menos o que se refere ao cenário político-econômico nacional.

A série foi gravada pela professora de 12 a 19 de março. A primeira gravação, do dia 12, mostrou uma longa edição do JN “sem se basear em fatos concretos”, apenas na delação de Delcídio do Amaral. A docente criticou a postura dos apresentadores do Jornal Nacional: “Por duas vezes, a gente tem a afirmação da objetividade jornalística, (conceito) que é questionado há muitos anos, já que inexiste essa objetividade”, afirmou a professora.

O Fantástico do domingo (13) começa explorando as manifestações pró-impeachment. Por mais de cinco minutos são mostradas imagens de vários estados brasileiros com a clara intensão de construir uma sensação de unanimidade junto ao público telespectador. 

Quando são divulgados os grampos, no dia 16, a docente observou que o único diálogo que vai ao ar é o de Lula e Dilma. Todo o restante do conteúdo é “lido e interpretado” pelos âncoras William Bonner e Renata Vasconcellos. Nos dias seguintes, os mesmos diálogos lidos pelos âncoras são colocados diretamente no ar. “O tempo todo é repetida a ideia de que os grampos eram legais e que sua divulgação não infringia a lei. Isto remete ao que o Henrique (Antoun) nos falou sobre a necessidade de convencer que o que não existe é real”. Relembre aqui.

Ela falou ainda da diferença de abordagem entre os manifestantes que são contrários e os que são favoráveis ao impeachment. “Toda essa multiplicidade de estratos no Brasil é reduzida a uma luta entre personagens-tipo. É o tipo psicossocial. É o 'militante' do PT, 'a favor da roubalheira' e que vai para a rua defender o governo. E o indivíduo 'livre', de verde e amarelo, que vai para a rua defender a saída do governo”.


Assista pelo Youtube o vídeo completo do debate ocorrido na Casa da Ciência da UFRJ. O áudio tem um pequeno problema, mas passa a funcionar nos seis minutos de gravação. A atividade foi promovida pela ECO/UFRJ em parceria com a Seção Sindical dos Docentes da UFRJ.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O "coronel" vive em nossos lares

Em continuidade ao debate sobre "Redes sociais, robôs e coronelismo eletrônico", que fez parte do seminário que discutiu a "guerra das narrativas" na cobertura do atual processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, a professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos, analisou a TV brasileira. “Há uma negociação direta entre elite midiática e poder político. Vivemos, então, um sistema de coronelismo eletrônico desde 1985. É um sistema de troca de favores para as políticas de comunicação”, explicou a docente.

Ontem, publiquei a primeira parte deste debate, sobre o papel de robôs no processo de viralização da notícia e sobre esse processo todo de discussões acaloradas que temos testemunhado nos últimos meses. Leia aqui.

O modelo de comunicação no Brasil foi chamado pela professora de “convergência divergente”. “Fala-se que a televisão está ultrapassada. Por outro lado, o que a gente vê é que em 2015, dos mais de 5.500 municípios, 40% deles têm acesso à banda larga. O restante acessa por discador ou satélite”. São características deste modelo, ainda, a falta de transparência sobre a estrutura de propriedade dos veículos; marcos regulatórios que separam “velhas” e “novas” tecnologias de comunicação; interesses privados sobrepondo-se ao interesse público na regulação do setor; o atrelamento político às concessões de rádio e TV no Brasil.


Professora Suzy dos Santos, da UFRJ. Foto: Silvana Sá
A mídia perde o poder, perante o governo federal, somente durante os regimes autoritários. Nos períodos democráticos, a relação entre mídia e governo sempre teve caráter clientelista, de troca de favores, segundo a docente. “Entretanto, a partir de 1985 há uma mudança na tônica dessa relação. Será a primeira vez que um empresário de comunicações oficialmente recomenda um ministro, que é quando Roberto Marinho recomenda Antônio Carlos Magalhães como Ministro das Comunicações. De lá para cá, criou-se um consenso de que ninguém governa sem a Globo e de que ninguém enfrenta os meios de comunicação, para se manter no governo”, avaliou.

Cultura e representação
A representação também é uma importante ferramenta deste sistema coronelista: “Para pensar a mídia no Brasil não basta analisar seu tamanho, dimensões, alcance. Isto também é importante, mas muito mais importante é verificar como se dão essas representações”. Isto torna-se importante sobretudo quando se trata de televisão, de acordo com Suzy dos Santos, pois é um veículo que chega a cobrir mais de 98% do território nacional.

Museus por todo o país têm sido construídos por meio de parcerias com a Fundação Roberto Marinho. São exemplos, no Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã. Está em construção também o Museu da Imagem e do Som, em Copacabana, cujo acervo para visitação será determinado pela Fundação e o restante encaminhado para um depósito no Estácio. “Todos os contratos da Prefeitura com a Fundação Roberto Marinho são realizados com dispensa de licitação dado que se trata de uma fundação de 'reconhecida importância' na criação de museus”.

O Globo Universidade é, segundo a docente, outro espaço de representação do mesmo grupo. “Financia boa parte das pesquisas sobre telenovela no Brasil. Que chance tem uma pesquisa financiada por uma empresa de comunicação ser crítica? Por outro lado, que atração tem uma pesquisa sem financiamento e sem acesso a acervo?”, questiona.

No caso das novelas, a professora destacou a figura dos coronéis. De 1977 a 1985 eles eram vilões que tinham escravos, maltratavam as mulheres, batiam nos filhos. Depois de 1985, a cada dois anos há a figura de um coronel em uma novela ou série brasileira “por acaso, sempre em ano eleitoral”. Foram 15 novelas e 17 séries, mas nenhum deles era vilão. “Eles são ultrapassados, fora do seu tempo, às vezes engraçados, mas não são maus. Existe um grande amor, uma história de incompreensão. E assim a gente vai naturalizando e replicando o mandonismo, o próprio clientelismo, o patriarcalismo. A gente naturaliza uma forma de política e uma forma de sociedade que é profundamente atrelada a elites que estão há muito tempo no poder. Não é à toa que o PMDB está no governo desde 1985”.

Discurso uníssono
Suzy dos Santos criticou, ainda, a falta de debate nos meios de comunicação sobre o papel da imprensa. “O discurso sobre o papel dos meios de comunicação no Brasil é historicamente único e dá voz a uma interpretação de meios de comunicação que não é de serviço público e muito menos a de direitos sociais. Há uma lógica no jornalismo profundamente ligada às elites”.


Amanhã você acompanha a última parte deste debate, que  foi promovido pela Escola de Comunicação da UFRJ, com o apoio da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj). 

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Audiência robotizada e viralização da notícia

O que o jornalismo nas redes e o marketing têm em comum na atualidade? A capacidade de "viralizar" conteúdos e de construir audiência e até comentários mecanizados. Tudo para inflar o compartilhamento de informações e pautar a sociedade a partir de interesses ligados aos das grandes elites nacionais. Este foi um dos diagnósticos de um debate ocorrido na Casa da Ciência da UFRJ, no dia 12 de abril. Em tempos de discussões cada vez mais acaloradas e ódio destilado para todo lado, é sempre bom ouvir ou ler quem estuda o assunto. Vamos?


Amanhã, você acompanha aqui as análises (realizadas neste mesmo debate) sobre a TV brasileira.

A cada matéria atualizada, robôs ligados aos perfis dos veículos nas redes sociais disparam compartilhamentos, de forma a inflar a audiência. "Os robôs constroem tendências e, com isso, tendem também a pautar a sociedade", disse o professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo.


Professor Fábio Malini, da UFES. Foto: Silvana Sá
A novidade neste processo são os chamados "bots", robôs de redes sociais que passam a interagir com o público. Além da audiência artificial, eles geram interações igualmente artificiais. "Um exemplo clássico é quando você não gosta de uma matéria e faz um comentário de crítica e, pouco depois, começam a surgir comentários elogiando o texto, o assunto, a abordagem”.

O professor esclareceu que o uso desse tipo de ferramenta na comunicação não é contra a lei, mas suscita um debate em torno da "robotização da política". A consequência direta deste processo, segundo Malini observou em suas pesquisas, é o que ele chama de "robotização dos humanos". "Insistentes 'memes' políticos de apelo emocional fazem as pessoas replicarem os conteúdos quase que automaticamente". De acordo com Malini, o principal portal brasileiro a utilizar robôs para "viralizar" seus conteúdos é o G1, do Grupo Globo.

A narrativa

Esse novo fazer jornalístico cria, segundo o docente, uma nova forma de narrar acontecimentos. Isto, para Fábio Malini, é uma espécie de resposta às jornadas de junho de 2013. "Vídeos de dentro das manifestações aumentavam a audiência em torno dos acontecimentos e contestavam toda a narrativa montada pelos grandes veículos de comunicação. Houve uma verdadeira desmoralização da narrativa da imprensa".

Em 2014, o movimento "Não Vai Ter Copa" foi o primeiro fora da mídia tradicional a utilizar robôs no compartilhamento de conteúdos. "Houve a apropriação dessas manifestações na rede por um conjunto de atores políticos que vão desaguar no 'Vem Pra Rua'. Por outro lado, houve utilização de robôs também acusando aquele movimento de antipatriótico. Enfim, mais um erro da série de equívocos que o governo cometeu".

Guerra do convencimento


Professor Henrique Antoun, da UFRJ. Foto: Silvana Sá
Para Henrique Antoun, professor da ECO/UFRJ, a guerra das narrativas consiste em "convencer a todos de que algo, que não existe, realmente existe e deve ser encarado com muita seriedade". "E, para isto, não faltam revistas, TVs, jornais, campanhas publicitárias e, inclusive, pessoas que repetem lentamente e iterativamente a mesma frase para convencer as pessoas de que aquilo é muito importante". Como exemplo, ele citou as recorrentes vezes que âncoras dos telejornais, sobretudo da Rede Globo, repetiram a palavra "vândalo" e suas derivações, por ocasião das manifestações de junho de 2013.

No caso do processo do impeachment, a situação toma contornos mais graves, na visão de Antoun. "Estamos sendo assediados há mais de dois anos e ela (a imprensa) gera mesmo revolta, ódio, doenças psíquicas. É uma campanha planejada e que tem roteiro. No caso do Brasil, este é um processo facílimo: quatro donos da mídia. Todos os quatro empregados dos oligarcas que mandam neste país. São 71 mil pessoas que têm como seus empregados os donos da mídia e os políticos do Congresso".

Mentira e verdade. Democracia e paixões

Citando o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o professor ilustrou o atual momento político, cercado de discussões acaloradas e impregnado de uma atmosfera de ódio que costuma permear discussões entre favoráveis e contrários ao impeachment. "A maior parte do tempo nós vivemos imersos em meias-verdades e em meias-mentiras. Como, no meio disso, eu posso falar para governar honestamente? Foucault vai mostrar que este processo não passa pelo convencimento racional, nem pela discussão. Só existe um modo de sair desse ciclo: é a explosão das paixões. Paixões que constituem, em última instância, um espaço aberto racional; que predispõem uma discussão, que permitem a democracia. A democracia aparece exatamente quando a mentira desaba e a verdade emerge pela luta das paixões".


O debate foi promovido pela Escola de Comunicação da UFRJ, com o apoio da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj). Matéria publicada originalmente no site da Adufrj.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Não existe rombo da Previdência, defende economista

Nesta semana a economista e professora da UFRJ, Denise Gentil, deu uma bela e esclarecedora palestra na universidade sobre o sistema de financiamento da Seguridade Social e afirmou que a Previdência não tem um "rombo", como ouvimos tantas vezes os governos e a imprensa alardearem. Por que, então, seria necessária uma reforma? A docente, que é especialista em finanças públicas, respondeu a essa e a outras perguntas.

Desonerações fiscais (ou isenções) têm sido marca crescente dos últimos governos (tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal). No âmbito federal, são realizadas também sobre recursos que deveriam compor a receita da Previdência Social e o financiamento de todo o sistema de Seguridade Social — que inclui a Saúde, a Previdência e a Assistência Social. Em 2015, a União abriu mão de aproximadamente R$ 62,5 bilhões que seriam destinados à Previdência. 

Somadas todas as desonerações que compõem o orçamento da Seguridade, o montante chegou a R$ 157,64 bilhões e equivaleu a 2,75% do PIB no ano passado. É isso mesmo que você leu. Somente em 2015 deixaram de entrar nos cofres públicos mais de cento e cinquenta bilhões de reais! Os dados foram apresentados por Denise Gentil, economista e professora da UFRJ, especialista em finanças públicas. A palestra foi realizada no dia 5, organizada pelo Núcleo da UFRJ pela Auditoria Cidadã da Dívida Pública.


Acompanhe o Blog do Núcleo da UFRJ. Lá você encontra o vídeo com a palestra na íntegra e as tabelas apresentadas pela professora Denise.

O carro-chefe do ajuste fiscal, anunciado como necessário para superar a crise – tanto pelo governo de Dilma Rousseff, quanto pela oposição – é a Reforma da Previdência. A justificativa seria sanar um “rombo” estimado em R$ 85 bilhões, segundo os defensores da medida. Mas, de acordo com os números de Denise Gentil, isto não é verdade. A Seguridade Social é superavitária e não deficitária. Em 2015, os dados preliminares apontam que, considerando todos os gastos realizados pela Seguridade, o saldo foi positivo em R$ 16 bilhões. Em 2014, o valor consolidado foi de R$ 35 bilhões em receita líquida. 

Discursos contraditórios


Professora Denise Gentil. Foto: Silvana Sá
“Chamo atenção para a contradição entre o discurso que aponta déficit e as desonerações realizadas. Se eu tenho um rombo de R$ 85 bi, como abro mão de R$ 62,5 bi em um único ano?”, questionou. Outro aspecto levado em conta pela docente é a desvinculação de receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo utilizar livremente 20% de tudo o que é arrecadado com os impostos. Há projeto para que o percentual passe a ser de 30%. “Não é contraditório desvincular receitas de um sistema deficitário?”. A docente informou, ainda, que a Previdência é capaz de obter mais ganhos que outros investimentos realizados pela União. “Estudos comprovam que, para cada R$ 1 aplicado na Previdência, retorna para os cofres públicos R$ 1,04. O sistema foi montado para dar certo”.

Outro ponto abordado pela docente é a incoerência de argumentos que apontam o envelhecimento da população e a necessidade de pensar o futuro. “Em 2028, estaremos no ápice da força de trabalho do Brasil. Nós vamos ter o maior número de jovens no mercado de trabalho. Em vez de o governo se perguntar o que faremos com todos esses jovens quando chegarem ao mercado de trabalho, nós estamos sendo assediados com uma reforma da Previdência que pode quebrar o sistema em 2040”.

Por que a reforma?

A razão para a Reforma da Previdência, então, não estaria relacionada a uma necessidade real, tampouco à insustentabilidade atribuída ao sistema previdenciário, mas ao lobby de bancos e empresas para a "financeirização" de todo o sistema de amparo social. "Valores expressivos deixaram de compor a receita da Seguridade, sem contrapartidas. Não houve manutenção dos postos de trabalho, nem realização de novos investimentos", disse a economista.

De acordo com a professora, em 2015 o governo federal renunciou a R$ 25 bilhões dos planos de saúde. “Receitas que poderiam compor o orçamento do SUS, mas estão servindo apenas para dar sustentação a essas empresas, aumentando, inclusive, suas margens de lucro”.

No campo da educação, as reformas estão em curso com a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, por meio, principalmente, do Prouni e do Fies. Este último ainda mais “perverso”, segundo Denise Gentil, porque “endivida os estudantes para o futuro”. “Justamente as políticas sociais, que são o carro-chefe dos governos petistas, são hoje financeirizadas”. O bolo maior, e restante, neste processo seria a Previdência Social que consome 21,76% do orçamento da União. Outros 45,11% deste orçamento já são destinados ao pagamento de juros e amortização da dívida pública.

* Matéria originalmente veiculada no site da Adufrj-SSind.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Doulas conseguem primeira vitória na Alerj

A mobilização em torno do direito das mulheres grávidas de serem acompanhadas por doulas nas maternidades conseguiu importante vitória. O plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro votou, em primeira discussão, o Projeto de Lei 2195/2013 que obrigará as maternidades, sobretudo públicas, a aceitarem a presença dessas profissionais no pré-parto, parto e pós-parto, caso seja esta a vontade da mulher assistida. A votação, que indicou a constitucionalidade da matéria, ocorreu na tarde do dia 6 e foi acompanhada por muitas doulas, mães com bebês de colo e pais.


O PL recebeu 29 emendas que deverão ser apreciadas na Comissão de Constituição e Justiça e votadas no plenário. Ainda não há data para esta segunda votação, mas há indicação de que o trâmite não será demorado. Doulas deverão participar de Audiência Pública com a CCJ para ajudarem na apreciação das emendas. Após a aprovação final na Alerj, o texto seguirá para ser sancionado pelo Executivo.

Pareceres reforçam pleito

No mesmo dia, pouco antes do início da sessão, a Defensoria Pública do Estado emitiu nota técnica aos deputados sobre o PL. No documento, a Defensoria manifesta seu "apoio integral" ao projeto: “O regramento em questão é de grande importância para o aprimoramento do atendimento humanizado às gestantes fluminenses, especialmente a fim de se alcançar os índices de partos normais sugeridos pelo Ministério da Saúde e pela a Organização Mundial de Saúde ", diz trecho do documento. O relatório aponta, ainda, as diretrizes do Ministério da Saúde para a Humanização do Parto e a ministração de cursos pelo SUS. Veja a íntegra.

Outro apoio de peso veio da Associação Juízes para a Democracia. A entidade declarou publicamente, no dia 5, que a "presença da profissional Doula no momento do parto representa ação em prol da dignidade da pessoa humana, em especial a mulher gestante, humanizando o momento do nascimento". Diz, ainda, o documento, que a presença das profissionais ajudará o Brasil a sair da lista dos países com maior número de cesarianas desnecessárias do mundo. Leia.

Categoria profissional

Outro passo fundamental no reconhecimento dessas profissionais foi a inclusão da ocupação de doula como profissão com definição de piso salarial estadual. A emenda foi realizada no PL 1459/2016 (votado no mesmo dia), que prevê reajuste de 10,37% no piso salarial do estado. Assim, um conjunto de profissionais passarão receber no mínimo R$ 1.052,34 – como, por exemplo, empregadas domésticas e cuidadoras de idosos. O piso pode variar até R$ 2.684,99 (para profissionais de nível superior). Trabalhadores do estado estão divididos em seis faixas. Como a inclusão das doulas como categoria foi realizada por meio de emenda feita pela Comissão de Trabalho, elas ainda dependem da sanção do governador em exercício Francisco Dornelles. 

O Blog ouviu profissionais de atenção ao parto e mulheres que desejam um parto humanizado. Relembre.