quarta-feira, 1 de junho de 2016

Direitos das mulheres mais ameaçados - saiba o que tramita na Câmara

A célebre frase do senso comum "nada é tão ruim que não possa piorar" parece fazer cada vez mais sentido no campo político e na esfera dos direitos – conquistados a duras penas no nosso país. A mais recente do governo Temer é ter designado Fátima Pelaes para a Secretaria de Políticas para as Mulheres. A nova secretária é contrária ao aborto, inclusive quando a gravidez é consequência de estupro.


Ato em nov/2015 no Centro do RJ contra Cunha. Foto da internet
Pouco me importa se ela, pessoalmente, é contrária ou favorável ao aborto. Ela só não pode interferir em um direito conquistado pelas mulheres (como fez nas discussões preliminares sobre o Estatuto do Nascituro, declarando-se inteiramente favorável ao texto). Imagine você ser violentada e obrigada a carregar uma criança fruto dessa violência bárbara por nove meses? Acho de um altruísmo impressionante as que, mesmo diante de um estupro, decidem manter a gestação e resolvem passar por cima do sofrimento. Porém, as pessoas são diferentes e reagem de forma diferente ao sofrimento. Eu tenho crenças religiosas e isto não me dá o direito de impô-las a ninguém. Menos ainda a quem já é vítima.

Qual é o ponto fundamental: o direito à decisão

Há Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional que vão de encontro ao direito e à saúde das mulheres. Todos têm autores homens. Coincidência?

Quais são esses projetos?

PL 4917/2001 – De Givaldo Carimbão (PSB/AL), o PL visa transformar o aborto em crime hediondo, aumentando a pena para até 15 anos de prisão. Em 2007, sua tramitação foi anexada ao PL 4703/98, em 2011 foi arquivado. Em fevereiro de 2015 foi desarquivado por Eduardo Cunha (PMDB/RJ).

PL 4703/1998 – Proposto por Francisco Silva (PPB/RJ) também tem por objetivo transformar o aborto em crime hediondo e aumentar as penas para quem o pratique. Também foi desarquivado por Eduardo Cunha em fevereiro de 2015 e está atualmente na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

PL 478/2007 - Estatuto do Nascituro, de autoria dos deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS/MG). Foi desarquivado por Eduardo Cunha em fevereiro de 2015. Em setembro, foi para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Lá foi aprovado parecer que pede uma audiência pública para debater o tema. Depois, ele estará pronto para ir ao Plenário da Câmara. A Tramitação continua no Senado até a sanção presidencial. O Estatuto do Nascituro garante ao feto direitos de cidadão constituído (seja ele gerado fisiologicamente, por fecundação in vitro ou fruto de clonagem). O texto aumenta as penas para aborto e cria a chamada "bolsa estupro".

Sim, você leu direitinho. A mulher perde o direito de abortar mesmo em caso de estupro. E, se identificado o agressor, ele passa a pagar pensão para a criança que a mulher será obrigada a levar no ventre até o nascimento. Parece absurdo, não?! Mas está no texto.

A mãe também perde o direito de abortar se detectada a impossibilidade de vida extrauterina do feto. A mulher será obrigada a levar adiante uma gravidez e, com ela, o sofrimento de saber que não terá seu bebê nos braços e não acompanhará seu crescimento após o nascimento. É uma atitude muito bonita das mulheres que escolhem este caminho, mas aqui, mais uma vez, não se trata de escolha, mas de imposição.

PL 1413/2007 – Chamado de PL da Pílula do dia seguinte, de Luiz Bassuma (PEN-BA). O Projeto foi desarquivado também no ano passado por Eduardo Cunha e passou a tramitar em regime de prioridade. Consiste em proibir a comercialização e a recomendação pelo SUS ao uso de contraceptivos de emergência, as famosas pílulas do dia seguinte. O PL altera parágrafos da Lei 9263/96,que trata do planejamento familiar. A justificativa para a proibição seria o caráter abortivo do anticoncepcional de emergência – posição ainda controversa entre religiosos, cientistas e juristas.

PL 7443/2006 – Projeto de Eduardo Cunha, foi desarquivado por ele mesmo em outubro do ano passado. Tem por objetivo transformar o aborto em crime hediondo. Foi anexado a outro PL que também transforma o aborto em crime hediondo e que também foi desarquivado por Cunha em fevereiro do ano passado: o PL 4917/2001.

PL 1545/2011 – Mais um de autoria de Eduardo Cunha, o projeto aumenta a pena de reclusão para médicos que realizem abortos ilegais: de seis a vinte anos de prisão. Foi desarquivado em fevereiro do ano passado.

PL 5069/2013 – Foi desarquivado por Eduardo Cunha também em fevereiro de 2015. É de autoria de Cunha, Isaias Silvestre (PSB/MG) e João Dado (PDT/SP). "Tipifica como crime contra a vida o anúncio de meio abortivo e prevê penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto". O texto prevê prisão também para quem auxilie de qualquer maneira a mulher que queira ou que tenha abortado. As penas mínimas variam de quatro a oito anos, mas aumentam se quem ajudou a mulher for da área da saúde ou se a mulher for menor. O projeto tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.


PL 6033/13 – Também de autoria de Eduardo Cunha, o PL pretende anular a Lei 12.845/2013. Tal lei, assinada em agosto de 2013, trata do "atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual". A lei considera violência sexual qualquer ato sexual não consentido. A lei regulamenta o atendimento multidisciplinar em saúde e assistência social para vítimas de estupro, prevê facilitação no registro de ocorrência, tratamento preventivo para doenças sexualmente transmissíveis, uso de medicamentos que impeçam a gravidez, teste de HIV e outros tratamentos que se façam necessários, mas corre o risco de perder seus efeitos se este PL for aprovado. Tramita anexado ao PL 6022/13.

PL 6022/2013 – De autoria do Executivo, o PL tramita na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara. Também tem por objetivo rever a Lei 12845/13, mas com alterações mais sutis: ao considerar violência sexual "todas as formas de estupro" e ao considerar que a profilaxia para gravidez é a "medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro". A justificativa é que imprecisões no texto original poderiam levar a diferentes interpretações e gerar confusões jurídicas.

PL 6055/2013 – Proposto pelo Pastor Eurico (PSB/PE), pelo Pastor Marco Feliciano (PSC/SP) "e outros", o texto também pretende suspender todo o conteúdo da Lei 12845/13. Tramita anexado ao PL 6033, de Eduardo Cunha. 

PL 6061/2013 – De Hugo Leal (PSC/RJ), o projeto tramita anexado ao PL 6022. Tem por objetivo alterar a Lei 12485/13 restringindo o amparo à vítima de violência sexual. O texto do PL trata a violência sexual como "estupro que resulta em danos físicos e psicológicos". Se você não se machucou durante o ato e não quer se matar depois, você não foi estuprada... Torna mais burocrático e demorado o caminho para registro da ocorrência. Retira da lei a utilização de medicação para impedir a gravidez de vítimas de estupro. Retira da lei, ainda, o direito da vítima de receber informações sobre "todos os serviços sanitários disponíveis" e direitos legais.

PL 4646/2016 – Do deputado Flavinho (PSB/SP), o PL tipifica como crime "o auxílio, induzimento ou instigação ao aborto", com penas que variam de três a dez anos de prisão. O PL está pronto para ser votado no plenário. Sua tramitação está anexada a do PL 4703/1998.




sexta-feira, 27 de maio de 2016

Antiga ocupação da Telerj vai virar condomínio

No capitalismo é assim: enquanto uns sofrem, outros lucram com o sofrimento. Em abril de 2014, cinco mil pessoas foram violentamente expulsas da Favela da Telerj, no Engenho Novo. O terreno, abandonado há mais de 20 anos, sem qualquer utilidade, havia sido ocupado em março daquele ano por famílias que não tinham casa ou condições para pagar aluguel.  

Família atacada por gás de pimenta. Foto da internet.
O Batalhão de Choque da Polícia Militar atacou com gás lacrimogêneo e spray de pimenta crianças, jovens, idosos, gestantes... Sem critério. Não houve resistência dos que lá viviam. Mas houve reação fortíssima nas ruas. O senhor prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, veio a público, na época, dizer que sua reação às ocupações era e seria sempre contrária. "Invadiu? Ocupou no peito e na raça? A prefeitura do Rio não vai desapropriar a área para construir", disse em entrevista coletiva.

Dois anos depois, recebo na rua um panfleto do "mega lançamento" da Zona Norte. O "Único". Empreendimento imobiliário com lazer para toda família. Aonde? Rua Baronesa do Engenho Novo, 414. No terreno da antiga Telerj. No palco de uma das reintegrações de posse mais violentas e desproporcionais do Rio de Janeiro.

Muitos alertaram que a razão para tamanha brutalidade da polícia só poderia ter uma motivação: a especulação imobiliária. Agora, os mais céticos já podem ter certeza: era, de fato, a especulação que não permitiria perder um terreno tão grande para pobres que não tinham onde morar. Muitos não tinham sequer renda. Inúmeras famílias acamparam em frente a Prefeitura do Rio em busca de uma solução para sua dor. Em busca de casa. Foram ignoradas. Migraram para a Catedral Metropolitana do Rio. Ficaram do lado de fora. Cáritas, sindicatos e pessoas físicas doavam alimentos, roupas e agasalhos. Mas a Arquidiocese lamentavelmente não abriu as portas para aquelas famílias.

Embora fosse permitida por lei, a Prefeitura do Rio não desapropriou o terreno. O destino daquele imóvel já deveria estar acertado. A página do empreendimento no Facebook foi criada um ano depois da violenta expulsão dos moradores da Favela da Telerj.

O novo condomínio terá cotas para o programa Minha Casa Minha Vida. Mas, com unidades a partir de R$ 185 mil, estarão descartados os perfis das pessoas que de lá foram expulsas.

O capitalismo é assim. Trata como cidadão quem tem poder de compra. Joga fora os menos favorecidos. 



quinta-feira, 26 de maio de 2016

Por que a violência contra a mulher é, necessariamente, machismo?

Estou profundamente doída com as notícias deste 26 de maio. Uma adolescente estuprada por 30 homens. Uma estudante da Rural que se suicidou em consequência de um estupro. Não podemos tratar esses casos isoladamente. Não podemos achar que isto é natural. Não podemos relativizar as circunstâncias. Elas são vítimas. Elas foram brutalmente agredidas por homens.

Homens que ganham espaço na televisão (caso BBB), que ganham espaço no governo federal (Alexandre Frota já admitiu estupro em rede nacional e foi consultado sobre como educar nossas crianças e jovens pelo ministro interino da Educação).

Os números mais atualizados sobre violência contra a mulher são relativos a 2014.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil (considerando os casos registrados). O Anuário Brasileiro de Segurança Pública diz que em 2014 foram registradas 47.646 ocorrências de estupro no Brasil. E 5.042 ocorrências de tentativas de estupro. O próprio documento informa que os números não correspondem exatamente ao número de vítimas, já que em uma ocorrência pode haver mais de uma vítima. São Paulo registrou 10 mil estupros e 634 tentativas. 

Imagem da internet
Os números são alarmantes, mas, repito, são os registrados. Não sabemos quantos casos não registrados existem. Mas sabemos que eles existem. E aos montes. Nós não queremos denunciar nossos companheiros. Não queremos denunciar o pai dos nossos filhos. Não queremos que nossos filhos sofram com a ausência do pai. Não queremos ser expostas a uma sociedade que antes de nos defender nos pergunta o que fizemos para merecer isso.

Por dia, 13 mulheres são assassinadas. O Sudeste está no topo da lista: 1.592 assassinatos naquele ano. São Paulo é o estado campeão, com 609 mortes de mulheres. A região Nordeste está em segundo lugar, com 1.513 casos. Região Sul: 596 assassinatos. Região Centro-Oeste: 541 assassinatos. Região Norte: 470. Também em 2014, o Ligue 180 (central que recebe denúncias de violência contra mulheres) foi procurada por 52.957 denunciantes. Desse total, 77% afirmou sofrer semanalmente as agressões. Em 80% dos casos, o agressor era da família.

Diferentemente da violência sofrida por homens, as mulheres são vitimadas por pessoas de seu convívio. São casos que envolvem dependência emocional, afetiva, financeira. São maridos, pais, companheiros ou ex-companheiros que se sentem donos dos corpos dessas mulheres. É por isso que necessariamente toda violência sofrida contra a mulher é de gênero. É machismo. É misoginia (ódio às mulheres). Acontece porque ela é mulher. Acontece porque algum homem se achou no direito de exercer domínio sobre ela.

Por isso, quando uma de nós tomba, todas tombamos. Quando uma de nós é violentada, estuprada, dilacerada, todas somos. Quando uma de nós morre, todas morremos. 

E também por isso deve crescer nossa indignação e nossa reação a cada notícia, a cada caso. E também é por isso que o feminismo é tão necessário nos nossos dias.

O que elas fizeram? Que roupas estavam usando? Aonde estavam? Estavam drogadas? Alcoolizadas? Era muito tarde? Era muito cedo? O local estava deserto? Ah, também, fica andando sozinha...

Vejam, não há o que questionar junto à vítima! O foco de questionamento é o agressor! Os estupros acontecem porque existem estupradores! Não é por causa da roupa das mulheres. Não é pela postura delas. É e sempre será pela postura deles!!!!

Então, cuidemos (pais e mães que leem este blog) para que nossos filhos não reproduzam a violência de gênero. Não reproduzam o machismo. Nem a homofobia. Cuidemos para que não achem normal passar a mão sem serem "convidados" ou que gostem de gêneros pornográficos que tratam e reproduzem o estupro como fetiche. Cuidemos para que nossos pequenos se tornem grandes homens capazes de ver nas mulheres companheiras de caminhada, de luta, de vida. Que não as enxerguem como serventes, como seres menores, como objetos. Cuidemos para que nossos meninos entendam, respeitem e admirem o sentido mais completo de ser mulher.


sexta-feira, 20 de maio de 2016

A crise do Rio, os servidores e as isenções

Hoje cedo fiquei estarrecida com reportagem do telejornal Bom Dia RJ, da Rede Globo, que chegava à conclusão de que a responsabilidade pelo rombo nas contas do estado do Rio de Janeiro é da folha de pagamento dos servidores. Na matéria foram ouvidos especialistas que afirmaram que os reajustes concedidos nos últimos anos aos servidores foram muito acima do que deveriam/poderiam. 

O que a reportagem apontava como solução, de acordo com os entrevistados ouvidos, era o aumento da contribuição para os servidores ativos. A reportagem, porém, não levou em conta as isenções fiscais concedidas a empresas pelos últimos governos estaduais.

Diante do meu incômodo, resolvi pesquisar...

Segundo dados do Portal da Transparência do estado, em termos absolutos, entre 2009 e 2015, os valores destinados a pagamento de pessoal praticamente dobraram. Mas aumentaram quase na mesma proporção que a Receita Corrente Líquida do estado. Assim, o percentual de pagamentos em relação à RCL varia pouco: vai de 37,41% a 43,1% entre 2009 e 2015. Sobrariam, portanto, mais de 50% para outras despesas e investimentos somente levando em consideração a RCL. Há outros tipos de receita.

De acordo com o texto da Lei de Responsabilidade Fiscal, os estados podem utilizar até 60% da RCL para pagamento de pessoal. Como podemos ver abaixo, o Rio de Janeiro ainda está longe de atingir esse limite.



Quem muito tem, pouco paga

As desonerações, porém, somam, de 2007 a 2015, R$ 
185.850.191.563,00, segundo o Tribunal de Contas do Estado. O TCE aprovou ontem as contas de 2015, mas fez ressalvas e fará auditorias em seis secretarias: Saúde, Educação, Transportes, Meio Ambiente, Fazenda e Segurança Pública. De acordo com o relatório apresentado, grande parte dessas isenções fiscais sequer tramitam pela Secretaria de Fazenda e impedem o controle desses benefícios. O TCE disse, ainda, que a Secretaria de Fazenda não tem feito a cobrança das grandes empresas devedoras de ICMS. Somente em 2015 foram anunciadas isenções na ordem de R$ 36 bilhões.

Ouve críticas, ainda, aos valores pactuados com Organizações Sociais no âmbito da saúde. O TCE afirmou que o estado investiu apenas 0,1% dos recursos de saúde na atenção básica. Caiu de cerca de R$ 60 milhões em 2014 para R$ 5,5 milhões em 2015. O relatório sugere que esta mudança tem relação com os contratos feitos com OS.

Em Segurança, o relatório afirma que houve aumento de mais de 90% dos gastos, porém, os índices de violência aumentaram.

Na Educação, o estado aplicou 25,99% da receita líquida de impostos, o que significou: R$ 9.015.498.426. O mínimo constitucional previsto é 25% da RCI

Se a folha de pagamento dos servidores não chega nem a 50% da RCL, o endividamento do estado chega a incríveis 197%, conforme descrito pelo relatório do TCE. A Lei de Responsabilidade Fiscal admite até 200% de endividamento.


Veja a íntegra do relatório do Tribunal de Contas do Estado.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Os Atos de Temer - resumão

Gente, os últimos dias têm sido complicados de ser acompanhados. Realmente, de tédio ninguém morre no Brasil. Já de vergonha... 

Bem, como a coisa é muito confusa e está tudo acontecendo rápido de mais, optei por fazer um apanhado dessa primeira semana do governo ilegítimo de Michel Temer.

Ato número 1 - Contra a corrupção
No dia 12 de maio, quando assumiu interinamente e ilegitimamente a presidência da República, Michel Temer nomeou seus ministros. Todos homens, todos brancos, todos ricos, sete investigados pela Lava-Jato.


Fodo de divulgação oficial da equipe de Michel Temer
Ato número 2 - Para cortar gastos
No mesmo dia em que assume, Temer anuncia o corte dos seguintes ministérios: Previdência Social; Comércio Exterior; Ciência e Tecnologia; Cultura; Direitos Humanos, Política para as Mulheres e Igualdade Racial; Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Desenvolvimento Agrário; Controladoria-Geral da União. Perderam status de ministério: a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, a Chefia de Gabinete, a Advocacia-Geral da União e o Banco Central. Mas, o Gabinete de Segurança Institucional virou ministério no governo ilegítimo de Temer. Ou seja: perdem importância as áreas sociais, mas o povo da pistola ganha (mais) poder.

Ato número 3 - Nova logomarca do governo federal
Tão logo assume, Michel Temer divulga a nova logomarca do seu governo ilegítimo. A logo é uma versão antiga da bandeira brasileira que vigorou durante a ditadura empresarial-militar de 1964. Ela traz 22 estrelas, contra as atuais 27 da bandeira oficial que representam todos os estados e o Distrito Federal.

Ato número 4 - Legislando em causa própria
Esse merece vários subtópicos... O temo "legislar" é proposital, já que quase metade dos ministros migrou de deputado ou de senador para o Executivo. 

- O atual ministro da Saúde, por exemplo, Ricardo Barros, teve financiamento de sua campanha para deputado feita por grupos ligados a planos de saúde. Agora, ele diz que o SUS não pode ser universal e quer reduzir o seu tamanho. Como se isso não bastasse, ainda declarou que não pretende fiscalizar os serviços prestados pelos planos privados.

- Outro ministro que anunciou cortes em programas sociais foi o do Desenvolvimento Social. Ele pretende reduzir em 10% o Bolsa Família. O nome dele é Osmar Terra e também migrou de deputado federal para ministro. É conservador, contra legalização de drogas, mesmo da maconha para tratamento medicinal

- Ronaldo Nogueira, ministro do Trabalho, quer rasgar de vez a CLT, defende a terceirização em todos os níveis. Também se licenciou do mandato de deputado federal para assumir o ministério. É pastor da Assembleia de Deus. Um de seus projetos enquanto deputado prevê a troca obrigatória de carros com 15 anos ou mais de uso por zero Km. Enquanto deputado, votou contra o PL das Terceirizações. Agora que é ministro, quer liberar tudo. Esse está acendendo uma vela pra Deus e outra pro diabo. Isso é pecado, seu pastor.

- Henrique Meirelles já declarou que fará com aval e apoio de Temer a nova Reforma da Previdência, para aumentar o tempo de contribuição dos trabalhadores, aumentar a idade para a aposentadoria, "criar" uma idade mínima e fará isso para atingir já os atuais trabalhadores, inclusive os que estão próximos de se aposentar.

Ato número 5 - O Alexandre de Moraes
Esse merece um tópico a parte. Assumiu o Ministério da Justiça e Cidadania. Foi advogado de cooperativa acusada de lavar dinheiro do PCC (sim, Primeiro Comando da Capital - facção de São Paulo). A recente polêmica na qual se meteu foi dizer que não ia mais admitir eleição para o cargo de procurador-geral da República. A constituição prevê que a escolha seja do presidente, mas há uma eleição interna no Ministério Público e a presidência referendava o mais votado. Temer o desautorizou. Enquanto secretário de Segurança de São Paulo, agiu com extrema violência contra os movimentos sociais e já declarou que em nível Brasil vai tratá-los como "guerrilha". É conhecido por desconsiderar as garantias individuais e as prerrogativas de liberdade do cidadão. Sua última ação à frente da Secretaria de Segurança Pública de SP foi permitir que a polícia faça reintegrações de posse sem autorização judicial. Prevejo tiro, porrada, bomba e muito sangue. A cidadania parece que vai passar longe desse ministério.

Ato número 6 - As privatizações
O ministro da Educação, Mendonça Filho, quer privatizar as universidades públicas. Além dos projetos em tramitação que preveem pagamento para a pós-graduação e cursos de extensão, ele quer estender esse pagamento também para os cursos de graduação. Michel Temer e equipe também já declararam diversas vezes que a saída para a crise consiste em reduzir a participação do Estado em empresas públicas. No documento do PMDB "Uma ponte para o passado futuro" há clara sinalização de desvinculação orçamentária para a educação básica e superior e para a saúde. Ou seja, não vai ter dinheiro e vai ter parcerias público-privadas. Quanto às empresas, estão na mira a Petrobras, a Eletrobras e Furnas. Há, ainda, o que sobrou de aeroportos, portos e rodovias estimados em R$ 32 bilhões (era mais, tá, gente, mas o governo Dilma deixou pouco da malha aeroviária para ser privatizado). 

Ato número 7 - Liderança acima de qualquer suspeita, só que não
André Moura (PSC-SE) foi designado líder do governo ilegítimo de Michel Temer na Câmara federal. Ele é tão sem confiança que nem o sobrenome dele é o correto. Embora seja conhecido como André Moura, o nome dele de verdade é André Luis Dantas Ferreira. É acusado e investigado por tentativa de homicídio, lavagem de dinheiro, corrupção e desvio de dinheiro público. Nessa de desvio de dinheiro público consta que enquanto prefeito de Pirambu (SE) ele fez a Prefeitura pagar suas contas no mercado. Nem as compras da casa dele eram pagas pelo salário dele! Já há diversos parlamentares dizendo que a indicação desse senhor é resultado da pressão de Eduardo Cunha, de férias afastado da Câmara por ser réu na Lava-Jato. André Moura é conhecido aliado de Cunha.

Ato número 8 - Passaportes diplomáticos
O ministro das Relações Exteriores, José Serra, concedeu passaporte diplomático válido por três anos para dois representantes da igreja evangélica Assembleia de Deus. São eles: Keila Campos Costa Ferreira e Samuel Ferreira. Este último, pastor investigado pela Lava-Jato suspeito de lavar dinheiro para Eduardo Cunha. Keila é sua esposa. Que beleza.

Ato número 9 - Perseguições políticas/raciais
Temer exonerou o jornalista Ricardo Pereira de Melo da presidência da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Ele estava há apenas duas semanas no cargo, foi indicado por Dilma Rousseff e tinha mandato até 2020. Outro que perdeu o emprego no Palácio do Planalto foi José Catalão. Conhecido e querido por todos, o garçom foi demitido acusado de ser petista. José era garçom da presidência da República. Ele não tem qualquer vinculação partidária. Ele é negro.


* Colaborou Luciano Menezes Júnior

sábado, 7 de maio de 2016

O jornalismo de suposição

Já repararam que uma série de matérias nos jornais, revistas e TV (especialmente ligadas à política e à economia) não estão baseadas em fatos, mas em suposições? Teorias do que pode acontecer, especulações, conversas de corredor...

O compromisso com a informação, com a notícia, com o fato parece secundarizado. Não é esquisito?

Quando será que deixamos de fazer jornalismo baseado na
realidade e passamos a fazer jornalismo sobre as realidades possíveis? E, com que objetivo falamos mais do que pode acontecer do que daquilo que realmente aconteceu? Ainda não tenho essas respostas... Mas vou dar alguns exemplos de como o "antijornalismo" está ganhando espaço.

Uma das matérias de destaque de O Globo de hoje é que "Dilma planeja deixar o Palácio do Planalto descendo a rampa". Pergunto: aconteceu? Podemos dar um lide para essa matéria (o que aconteceu, quando aconteceu, onde aconteceu, como aconteceu, por que e com quem aconteceu)? Não, não podemos. E por quê? Porque não está baseada em fatos, mas em suposições.

Quer ver outros exemplos?

Veículos 'autônomos' estarão nas ruas em cinco anos - aqui também se trata de uma suposição. Ainda que o título seja afirmativo, nada na matéria indica as reais condições para que esses carros estejam de fato nas ruas nesse período de tempo. Não dá para aplicar o lide (aquelas seis perguntinhas pra situar o leitor) aqui também...

Dólar deve ficar abaixo de R$ 4 e não voltará a bater recorde - do começo ao fim a matéria é especulativa. Há apenas previsões que dependem do desenrolar de fatos políticos. O único fato em todo o texto é que o Banco Central tem realizado venda de swap para manter o dólar próximo de R$ 3,50. E este fato não apresenta desdobramentos. Nenhum epecialista foi ouvido, por exemplo, pra dizer se a estratégia é boa para o pais. A matéria não se dá ao trabalho de aprofundar as consequências desse único fato. Bem, eles não fizeram, mas eu faço. Tento explicar leigamente: operação de swap é uma espécie de venda de dólar no chamado mercado futuro. O BC emite papéis de dólar dizendo que se responsabiliza em pagar a diferença para os investidores, caso o dólar passe a valer mais que os papéis vendidos - embora consiga segurar por um tempo o patamar da moeda estrangeira, pode gerar prejuízos de bilhões para o BC. Em 2015, foram aproximadamente R$ 90 bilhões de prejuízo. Sim, somos nós que pagamos essa conta.

Incêndio pode reduzir em 25% produção de petróleo do Canadá - a história é que um incêndio de grandes proporções atinge uma cidade no Canadá. Milhares de moradores estão sendo retirados, mas o foco da matéria não é no que está acontecendo, não é na vida dessas pessoas, mas no que pode acontecer: o provável, mas incerto, impacto na produção de petróleo local. Embora o assunto seja o incêndio, ele é totalmente secundarizado por algo que não aconteceu. Nenhuma autoridade ouvida, nenhum morador ouvido, nenhum dado concreto sobre quantas pessoas deixaram suas casas, para onde estão indo, se há mortos ou feridos, quando o fogo começou, se há residências atingidas ou se a medida é preventiva... Nada.

Como dar credibilidade a um jornalismo que não exerce sua função social?


quarta-feira, 4 de maio de 2016

Os "ministeriáveis" de Temer - breve currículo

Resolvi pesquisar um pouco os currículos dos indicados ou cotados para assumir ministérios em um eventual governo de Michel Temer. Sem mais delongas, porque alguns currículos exigem paciência, apresento a vocês poucos perfis técnicos e muitos perfis no mínimo questionáveis. Preparados?

Preferi não associar nenhum ministeriável diretamente às raposinhas... Por isso,
dessa vez, a imagem vai aqui em cima e não ao lado do texto.


Gilberto Cassab (PSD) – Comunicações

Ministro das Cidades no segundo governo Dilma. Foi prefeito de São Paulo duas vezes. Foi acusado de irregularidades quanto ao seu patrimônio que aumentou 316% mais que a inflação entre 1994 e 1998, quando era deputado estadual e secretário de Planejamento de Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo. De 1998 a 2008 o patrimônio declarado de Kassab passou de R$ 985 mil para R$ 5.107.628,31. Em 2004 foi determinada a quebra dos sigilos bancários de Cassab sob acusação de enriquecimento ilícito. Dois dias depois um desembargador derrubou a decisão. Em 2005, o Conselho Superior do MP de São Paulo arquivou o inquérito.

Também recaiu sobre ele suspeitas de financiamento ilegal de sua campanha para a prefeitura de São Paulo. Em fevereiro de 2010, chegou a ter seu mandato cassado, mas em maio do mesmo ano o TRE de São Paulo interpretou que não foi possível demonstrar irregularidades nas doações por falta de provas.

Em 2014 Kassab foi absolvido de outro processo que investigava a contratação irregular da empresa Controlar, que é responsável pela inspeção veicular na cidade de São Paulo. Ele era suspeito de ter reativado um contrato e proporcionado um prejuízo de R$ 1 bilhão aos cofres públicos.

Marcos Pereira (PRB) – Ciência e Tecnologia

Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Pereira é advogado por formação. De 2003 a 2009 foi vice-presidente da Rede Record de Televisão. É dono atualmente de uma empresa de advocacia. Acredita (como todo cristão) na teoria do criacionismo e diz que respeita o darwinismo. É, no mínimo, curioso pensar em um religioso à frente da Ciência e Tecnologia.

Bruno Araújo (PSDB) – Cidades

Deputado federal pelo estado de Pernambuco. Advogado de formação, foi Araújo quem deu o voto 342 que autorizou o prosseguimento do processo de impeachment de Dilma Rousseff para o Senado. Antes de proferir o voto, cantava chorando "Eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor". É presidente do PSBD em Pernambuco.

José Serra (PSDB) – Relações Exteriores

Atualmente Senador por São Paulo, José Serra já foi prefeito e governador de SP. Foi perseguido político pela ditadura de 64. Economista de formação, Serra foi ministro do Planejamento e da Saúde nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Tentou por duas vezes ser presidente da República. Foi derrotado por Lula (2002) e por Dilma (2010). 

Em 2009 o site Wikileaks vazou uma correspondência entre Serra e executivos de duas petrolíferas norte-americanas: a Chevron e a Exxon. Serra prometia mudar as regras de exploração do pré-sal brasileiro para beneficiar empresas estrangeiras. O assunto, porém, foi deixado de lado com a reeleição de Lula. Em 2015, José Serra, então senador, finalmente apresenta o PLS 131 que estabelece participação mínima da Petrobras no consórcio de exploração do pré-sal.

No início deste ano, Serra foi acusado de manter uma funcionária fantasma em seu gabinete. Margrit Dutra Schmidt é irmã da jornalista Miriam Dutra, que teve um romance com FHC. Margrit nunca teria comparecido ao trabalho e nem é conhecida pelos seus colegas de gabinete. Serra "esclareceu" que os assessores não a conhecem porque ela trabalha de casa e que não poderia revelar a natureza de seu trabalho porque se trataria de um projeto sigiloso na área da educação. A prática de trabalhar de casa é vetada pelo Senado.

Serra também está envolvido em escândalo das licitações do transporte público de São Paulo. Serra combinaria previamente os preços dos vencedores e perdedores das licitações para aquisição de equipamentos e serviços ferroviários. Ele teria assinado contratos fraudulentos junto com outros governadores de São Paulo ligados ao PSDB entre 1998 e 2008.

Raul Cutait (indicado pelo PP) – Saúde

Cirurgião gástrico no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo,  e professor da Faculdade de Medicina da USP, Cutait primeiro sinalizou positivamente à indicação do Partido Progressista para ocupar a pasta da Saúde. Mas, notícias mais recentes dão conta de que ele voltou atrás na decisão. Segundo a alegação do médico, o PP não aceitou que ele escolhesse os profissionais da área técnica do ministério. Ao perceber que não teria autonomia no comando da pasta, Raul Cutait resolveu negar o convite. O médico não tem filiação político-partidária.

Mendonça Filho (DEM) – Educação

Administrador por formação, Mendonça Filho é atualmente deputado federal por Pernambuco. É considerado um gestor público "moderno e arrojado". Foi governador de Pernambuco em 2006, quando assumiu a vaga de Jarbas Vasconcelos (PMDB). É apoiador de Eduardo Cunha na Câmara e líder do DEM na Casa.

Henrique Eduardo Alves (PMDB) – Turismo

Foi presidente da Câmara entre 2013 e 2015. Foi ministro do Turismo no segundo mandato de Dilma de abril de 2015 a 28 de março desse ano. Deixou o governo com a leva de ministros do PMDB. É um dos proprietários da TV Cabugi, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Norte; da Rádio Globo Natal; da Rádio Difusora de Mossoró e do jornal Tribuna do Norte, do qual é presidente.

Foi citado na Lava-Jato pelo doleiro Alberto Youssef e é investigado pelo Ministério Público Federal. Já teve sua casa revistada em mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal.

O procurador geral da República, Rodrigo Janot, pediu ontem (3 de maio) a abertura de mais um inquérito contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e contra Henrique Eduardo Alves. Dessa vez, correspondências indicariam doações ilegais de campanha e favorecimentos (por meio de medidas provisórias e projetos de lei) ao Grupo OAS e ao banco BTG.

Geddel Vieira Lima (PMDB) – Secretaria de Governo

Outro investigado pela Operação Lava-Jato, Geddel Vieira Lima foi vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal. Foi ministro da Integração Nacional do governo Lula. Na época, destinou 90% das verbas liberadas de seu ministério para a Bahia e foi investigado pelo Tribunal de Contas da União. Foi acusado de favorecimento,mas o então presidente Lula desmentiu as acusações.

Na Lava-Jato é acusado de favorecer a OAS em várias frentes, seja pedindo dinheiro à empreiteira para campanhas de aliados – que mais tarde devolveram em obras os valores investidos pela OAS – ou fazendo lobby para aprovação de projetos de lei que beneficiassem a empreiteira.

Geddel Vieira Lima também foi citado em outro escândalo, o dos "Anões do Orçamento", descoberto em 1993. O esquema era realizar emendas orçamentárias para entidades sociais fantasmas. Também havia empreiteiras atuando no desvio de verbas. O esquema era comandado pelo então deputado José Alves, que ganhou 56 vezes na loteria somente no ano de 1993.

Romero Jucá (PMDB) – Planejamento

Jucá é o braço direito do vice-presidente Michel Temer. É investigado pela Lava-Jato também por envolvimento nos esquemas de corrupção e fraudes na Petrobras. É economista de formação. Foi nomeado ministro da Previdência Social em 2005, pelo então presidente Lula, mas foi exonerado dias depois por suspeita de corrupção com empréstimos bancários irregulares. No ano seguinte, foi escolhido por Lula para ser líder do governo. Ocupou o cargo também no primeiro governo de Dilma. 

Outra investigação de esquemas de corrupção, a Operação Zelotes também abriu inquérito para apurar suposto envolvimento de Jucá e Renan Calheiros com a venda de emendas e medidas provisórias sobre o setor automotivo.

Enquanto presidente da Funai (1986-1988), autorizou ilegalmente a extração de madeira em terra indígena. Aumentou o número de funcionários da Funai de 3.300 para 4.200 somente na cidade de Recife, quando houve intervenção do Tribunal de Contas da União por irregularidades financeiras no órgão.

Ainda enquanto presidente da Funai, Jucá foi quem mais demarcou territórios ianomâmis, realizando frequentes reduções nos seus tamanhos. O Parque Yanomami teve sua área diminuída em 75%.

Henrique Meirelles – cotado para o Ministério da Fazenda

Executivo do setor financeiro nacional e internacional, Meirelles foi presidente do Banco Central no governo Lula. Foi o primeiro presidente do BC a ter status de ministro. É membro de conselhos de diversas empresas, dentre elas a Azul Linhas Aéreas. É atribuída à sua gestão a redução da inflação e a redução na taxa de juros do Brasil, em 2009, ao menor nível da história.




terça-feira, 3 de maio de 2016

O que é e o que não é feminismo

Há dias venho pensando neste texto, mas alguns imprevistos aconteceram e eu não pude concluir esta atualização. O objetivo é ser bem clara e objetiva sobre o que é e o que não é feminismo. Em tempos de redes sociais, as pessoas estão muito dispostas a falar toda sorte de abobrinhas. E também a acreditar em várias delas.

Vamos lá ao pequeno manual:

Feminismo é machismo ao contrário. ERRADO! Feminismo nasce da necessidade das mulheres serem tratadas com igualdade, terem os mesmos direitos e deveres sociais e igualdade de oportunidades que homens. Um exemplo exitoso disso é o direito ao voto. No entanto, ainda brigamos para recebermos os mesmos salários ao desempenhar as mesmas funções que homens. Brigamos para não sermos estupradas ao andarmos sozinhas à noite. O machismo, ao contrário, não visa à igualdade de gêneros, mas subalterniza a mulher.

Feminismo é odiar os homens. ERRADO! Ódio aos homens tem OUTRO nome: é misandria. Assim como o ódio às mulheres recebe um nome que não é machismo, mas misoginia. É possível que machistas exerçam a misoginia; assim como é possível que feministas exerçam a misandria. Mas, isso não é regra. Não se pode confundir.

Feminismo é ter medo de homens. ERRADO! Também existe como conceito o medo generalizado de homens e chama-se androfobia. É muito incentivado pelas violências de gênero, especialmente o estupro.

Feminazi são mal amadas. ERRADO! ERRADO! ERRADO! Primeiro, unir o termo "feminismo" ao termo "nazismo" é um equívoco gigantesco! Como disse acima, o feminismo visa à igualdade. O nazismo (estudar história é importante) não tinha nenhum compromisso com igualdade. Pelo contrário, em nome de uma "raça superior" e de um ódio a quem não se encaixava no padrão "ariano" judeus foram assassinados aos milhões. Depois, acusar feministas de serem mal amadas é mais uma desqualificação de gênero. Então só se luta contra violências, só se luta em defesa da igualdade, em defesa do respeito e das escolhas sobre si e seu corpo quem não recebe amor? Faz sentido isso? 

Lutam por igualdade, mas não reclamam de se aposentarem mais cedo. CERTO! A idade para a aposentadoria feminina é cinco anos menor que a masculina. Isto se deve principalmente às múltiplas tarefas da mulher na nossa sociedade: as jornadas de trabalho, com os filhos, com a casa e com o companheiro. Ainda recai majoritariamente sobre as mulheres a responsabilidade com os filhos: estarem bem alimentados, limpos, tirarem boas notas, crescerem, estarem com as vacinas em dia, saúde em dia. Ainda recai majoritariamente sobre as mulheres a responsabilidade com a casa: limpeza, organização, refeições prontas (e gostosas!), louças e roupas lavadas. Recai majoritariamente sobre as mulheres o compromisso com o casamento: "A mulher sábia edifica o lar". E a mulher moderna trabalha fora, estuda, busca qualificação cada vez maior. Esse conjunto de fatores sociais faz com que nos aposentemos cinco anos antes. Lembrando que os afazeres domésticos não são e nunca foram remunerados.

Lutam por igualdade, mas não são obrigadas a se alistarem. CERTO! Em geral, as feministas consideram não deveria existir alistamento militar obrigatório para ninguém. Você realmente nunca vai ver feministas querendo isso. Elas não querem nem mesmo para os homens. Esse problema aí vem lá das sociedades patriarcais, machistas... não tem relação nenhuma com o feminismo.

Não sou feminista, sou feminina. TÁ ÓTIMO! Feministas também podem ser femininas, podem ser masculinizadas, podem ser heterossexuais, podem ser lésbicas, podem ser o que quiserem. Qualquer mulher pode ser o que ela quiser. Qualquer ser humano deve ter condições de ser o que quiser, desde que isso não agrida fisicamente ou psicologicamente outras pessoas. Desde de que não impeça o direito de outros seres humanos. Então, ser feminista não é o contrário de exercer a feminilidade. Não são antônimos. Não são sinônimos. São coisas que não necessariamente se relacionam. Deu para entender?













quarta-feira, 27 de abril de 2016

Estamos vivendo o fim da democracia liberal, afirma Christian Laval

Em debate realizado na UFRJ na última semana, o sociólogo francês Christian Laval afirmou que a crise espalhada por todo o mundo não é só financeira, mas também dos sistemas democráticos nos países considerados "livres". E que isto é reflexo da atual fase do neoliberalismo. “O neoliberalismo ameaça destruir o imaginário democrático”, disse. O atual momento político-social vivido em todo o mundo e também no Brasil é denominado pelo sociólogo como “pós-democracia” ou “desdemocratização”. Para ele, o neoliberalismo busca acabar com o sistema político de representação pelo voto. Vamos entender seu pensamento?

Christian Laval é autor, junto de Pierre Dartot, do livro “A nova razão do mundo: Ensaios sobre a sociedade neoliberal”, lançado no Brasil pela Editora Boitempo

Clique aqui para assistir a palestra em Francês. Para assistir a versão traduzida para o Português, clique aqui.

“A razão neoliberal está acabando com o arcabouço que permitia a coexistência de um regime de sufrágio universal e uma economia liberal capitalista. Não se trata apenas da invasão do mercado e da redução do Estado. É a mudança de uma racionalidade que passa por todas as esferas da vida”, disse.

Essa mudança de organização da vida em sociedade, segundo Laval, refletiria a racionalidade empresarial. “É como se todas as formas de existência precisassem ser moldadas sob o paradigma das empresas”.

Ele reconhece que o sistema representativo permitiu a manutenção das classes mais ricas na condução da política e da economia mundiais, “mas abriu brechas” para a contestação. “O Estado de Bem-Estar Social talvez tivesse sido impossível sem o sistema representativo”. Ele citou, ainda, como exemplo, as pressões exercidas pelos sindicatos para que fossem montados sistemas previdenciários e conquistados diversos outros direitos trabalhistas.

Porém, parece que se esgotou especialmente na Europa e na América Latina este tempo: “O neoliberalismo é um conjunto de medidas e discursos que fecham as possibilidades do bem-estar social. Está ocorrendo o esvaziamento da democracia representativa. O neoliberalismo é antidemocrático”, afirmou.

As principais características do modelo

A ideia básica é que as regras do mercado permeiem as leis e sejam assimiladas por toda a população. Uma das iniciativas, neste sentido, é a “despolitização da política com a implementação de aspectos técnicos de governança”. Já não seriam necessárias lideranças políticas, mas gestores da máquina pública para atuarem na condução do Estado. É preciso ter eficiência, eficácia. É preciso tratar o Estado como empresa.

Laval citou o exemplo da Constituição da União Europeia, que é regida por regras de mercado e que está acima das constituições dos Estados que compõem o bloco econômico. O “fator econômico é maior que qualquer outra necessidade política ou social”. A globalização, segundo o sociólogo, ajuda a impor a vontade dos mercados mundiais sobre as populações.

Christian Laval. Foto de Paola Manfredi, Revista Números Rojos
Outra característica do neoliberalismo bastante marcada por Christian Laval é a modificação das relações entre governantes e governados. “A democracia liberal pressupunha a predominância da esfera pública sobre a privada. Havia uma relação com o bem público”. No entanto, a “racionalidade neoliberal” dilui o direito público e o substitui pelo direito privado. A figura do cidadão seria substituída pela figura do consumidor que “exerce sua cidadania no mercado”. Para a composição deste novo cidadão, é necessária, de acordo com o sociólogo, uma mudança também na educação da juventude. “Conteúdos são modificados. Professores devem ensinar o espírito empreendedor e não mais a moral pública. Há um desmantelamento de valores”.

Outra característica do neoliberalismo (e também do próprio liberalismo) é a sua necessidade de ser “pragmático e neutro”. “É uma forma de se proteger e dialogar com as diversas formas de pensamento”. Assim, a aparente contradição entre neoliberalismo e o crescimento de vertentes conservadoras dá lugar a uma convivência harmônica, desde que a preocupação central seja a da manutenção do modelo de gestão empresarial.

Nova forma de totalitarismo?

Christian Laval reconhece que esta “nova forma de democracia transformada em gestão empresarial” aparenta ser uma espécie de "neototalitarismo". “O conteúdo das políticas é ditado pelas multinacionais. As empresas, então, passam a deter todo o poder do conjunto do campo político-social”. Porém, no neoliberalismo, não existe a dimensão da imposição “de cima para baixo”. “Os cidadãos são levados a escolher. A totalização está acontecendo através de uma norma transversal, que passa por todas as esferas da vida social. Ela força os indivíduos a exercerem uma liberdade de escolha”.

A forma subjetiva como o neoliberalismo atua na sociedade levaria o agora consumidor a ser responsável pelo seu futuro. “Aparentemente, tudo vai depender das escolhas que ele vai fazer para tornar-se capital. As grandes instituições mundiais, como o Banco Mundial e o FMI, organizaram seu discurso em torno da ideia de que a educação é um investimento, mas não um investimento coletivo, e sim um investimento privado. Elas dizem que é preciso reorganizar as escolas em torno da ideia de que cada um exerce sua própria educação e investimento para que se desenvolvam como capital”.

A partir da tendência de “previsão do lucro” ao longo da formação dos estudantes, essas mesmas instituições orientam a mudança da forma de financiamento desses estudos. Muda, junto, a lógica educacional, com a abdicação de disciplinas como Sociologia, Filosofia e Literatura, por exemplo. “Além disso, os estudantes precisam pagar mais para tornarem-se responsáveis por sua formação. É preciso que eles escolham as suas disciplinas e se coloquem como investidores”. Assim, entra em cena outra ferramenta: a do financiamento estudantil. “É importante que eles saibam quanto gastaram para que façam a comparação com o quanto poderão lucrar”.

A moda é a da superação

Laval associou a construção da necessidade de superar limites com os esportes de alto desempenho. No neoliberalismo, há um “novo tipo de comportamento que consiste em responsabilizar cada um para que supere suas próprias expectativas, para que busque mais, para que voe cada vez mais alto, cada vez mais longe. Algo comparado a esporte de alto nível. Não é por acaso que grandes empresas investem altas quantias no esporte. Não é só para obter altas taxas de lucro, mas também para alimentar esse imaginário da superação”.

Com a superação, entra em cena mais um elemento: a ausência de limites. “A norma não é mais um limite. É necessário o desejo, a pulsão”. Justamente parte da crítica dos neoconservadores. Além de serem avessos aos direitos das minorias, esses grupos se apoiam em normas rígidas de conduta. “Eles não se dão conta de que o capitalismo e o neoliberalismo precisam dessa ausência de limites”.

Efeitos

A exaltação do modelo empresarial, a busca incessante de metas, a ausência de limites e a desvalorização da dimensão política gerariam, para Laval, “efeitos culturais, morais e políticos muito perigosos”. Mentira, cinismo, ignorância, brutalidade, fascinação pelo dinheiro estariam entre esses efeitos. “A esquerda durante muito tempo combateu essas posturas, mas a sua transformação no mundo todo, não toda ela, também tomada por esse espírito, acaba por sucumbir à desmoralização. Deixou-se levar pela privatização, pelo enriquecimento fácil”.

A população, então, reage com o sentimento de que todo sistema político é corrupto. Passa, então, a se abster em eleições e não tomar posicionamentos públicos. Cresce, com isso, a extrema-direita fascista e não fascista. “Outra reação mais esperançosa é a tentativa de grupos buscarem novas formas de luta e de democracia, com a ocupação de praças e outras ações. Esses movimentos destacam a defesa dos espaços comuns, do bem comum. Sairíamos da desdemocracia ‘por cima’”.

Esse momento pós-democrático, para Christian Laval, é duradouro: “O neoliberalismo tratou de fazer a juventude acreditar que só existe o capitalismo como eterno presente. No Brasil, atualmente, há uma aceleração desse processo”.




segunda-feira, 25 de abril de 2016

Difícil entender o silêncio sobre Cunha

A "seletividade" tem estado em alta. É tanta gente falando sobre esta palavra e suas derivações, mas parece que palavras se vão conforme o vento bate. E acabam por não surtir, muitas vezes, o efeito que deveriam: fazer as pessoas refletirem.

A "reflexão" me parece pouco utilizada em um momento de polarização política e efervescência do cenário político-econômico. As paixões estão mais exacerbadas do que a capacidade crítica. É a minha impressão.

Bem, digo isto porque independentemente de ser a favor ou contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff, precisamos refletir sobre o que está acontecendo no Legislativo nacional. O esforço vai valer à pena. Garanto! E ainda podem "rolar" sons interessantes de panelas batendo... Ou outros protestos, conforme o gosto do manifestante.

O que não pode continuar é este silêncio sepulcral com
Eduardo Cunha (PMDB-RJ) segue tranquilo à frente da Câmara.
 Foto de Miguel Schincariol/AFP
relação ao processo de cassação do deputado Eduardo Cunha. Silêncio vindo dos grupos que apoiam o impedimento de Dilma Rousseff – é preciso dizer. O que tenho notado nas ruas é que somente quem é contra o impeachment de Dilma faz protesto contra Cunha. Não dá para ser assim. 


Se há algo que pode verdadeiramente unir o país é a luta contra a corrupção. Nenhuma cidadã e nenhum cidadão que paga seus impostos e necessita dos serviços públicos é a favor da roubalheira. Os desvios de milhões, de bilhões de reais fazem muita falta na Saúde, na Educação, no saneamento básico, na melhoria das condições de vida da população. Bem, neste raciocínio, se a bandeira é contra a corrupção, o número um na lista dos que devem ser cassados é justamente Eduardo Cunha. 

O prazo regimental para que o processo de Cunha (réu, mas presidente da Câmara dos Deputados) seja julgado terminou em 22 de abril. Segundo o regimento da Câmara, em 90 dias úteis ele deveria ser declarado culpado ou inocente por ter mentido na CPI da Petrobras. Ocasião na qual ele afirmou que não possuía contas no exterior. Isto ocorreu em março do ano passado! No entanto, o que se descobriu foi uma "pequena" fortuna de alguns milhões de dólares na Suíça. 

Dinheiro, segundo as investigações, proveniente de propina da Petrobras. Vejam: não há indícios de crime. Há provas incontestáveis de crime. Mas... as coisas não têm caminhado como deveriam.

Além da morosidade nos trabalhos, correm recursos de anulação do processo de cassação de Eduardo Cunha na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. Esta semana a CCJ deve começar a funcionar e se debruçar sobre esses recursos. Há cotações para que o presidente dessa comissão seja um aliado de Cunha. Todas as decisões que envolvem a CCJ devem atrasar ainda mais a tramitação do processo de cassação do deputado.

Caso a CCJ não acate os recursos, Eduardo Cunha promete entrar com novos pedidos de anulação, de suspensão de atos praticados no decorrer do processo e ainda ameaça recorrer à Suprema Corte. 

Com um grupo maciço de apoiadores na Casa, Eduardo Cunha segue intocável à frente da Câmara. Não é possível, repito, que haja esse silêncio absurdo quanto à permanência dele no Legislativo. 

Há, ainda, especulações sobre um possível acordo para que a CCJ não acate os recursos e o processo caminhe para a aplicação de uma pena mais branda que a cassação. Outros rumores sugerem a possibilidade de "erros" estarem sendo realizados propositalmente para facilitar a anulação de todo o processo. Bem, aguardemos os próximos capítulos... 

Se não houver pressão da sociedade, Cunha tem grandes chances de sair ileso e até inocentado de todo esse processo. Vamos fazer o favor de botar o bloco na rua? Ele deixar de conduzir a Câmara e se tornar inelegível pelos próximos oito anos é o mínimo que devemos exigir. Por uma questão de  ética e de coerência, panelas deveriam bater pela sua saída do poder público. Camisas verde e amarelas deveriam ser vestidas também contra a sua permanência no cenário político brasileiro.

Cronologia

A Folha de São Paulo publicou uma cronologia bastante resumida, mas bem esclarecedora, sobre as tentativas – até agora muito bem sucedidas – de atrasar o processo.

Cunha na Lava Jato e no Conselho de Ética

3.mar.15
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, envia ao STF 28 pedidos de abertura de inquérito contra políticos, inclusive Cunha

12.mar.15
Em depoimento à CPI da Petrobras, Cunha nega ter contas no exterior

16.jul.15
O lobista Julio Camargo, delator da Lava Jato, diz que Cunha recebeu US$ 5 milhões em propina

20.ago.15
Procuradoria-Geral denuncia Cunha por lavagem de dinheiro e corrupção

30.set.15
Suíça envia ao Brasil dados de quatro contas secretas de Cunha que teriam recebido propina

13.out.15
Pedido de cassação contra Cunha, de autoria de PSOL e Rede, é protocolado no Conselho de Ética

28.out.15
Mesa numera o pedido e o envia ao conselho, o que foi feito no prazo máximo de três sessões

3.nov.15
Processo é instalado, e Fausto Pinato (PRB-SP) é escolhido relator

19.nov.15
Com a ajuda de aliados, Cunha consegue suspender reunião do conselho que analisaria o parecer

24.nov.15
Defesa de Cunha pede o afastamento de Pinato da relatoria; sessão no conselho é mais uma vez suspensa

9.dez.15
Cunha consegue destituir Pinato; Marcos Rogério (PDT-RO) é escolhido novo relator

15.dez.15
Parecer de Rogério pela continuidade do processo é aprovado por 11 votos a 9. No mesmo dia, Cunha é alvo de fase da Lava Jato

16.dez.15
Procuradoria pede o afastamento de Cunha, que estaria obstruindo investigações

2.fev.16
Waldir Maranhão (PP-MA), vice da Casa e aliado de Cunha, anula sessão em que parecer foi aprovado

2.mar.16
Novamente, conselho aprova parecer pela continuidade do processo, por 11 votos a 10

3.mar.16
STF aceita a denúncia e Cunha se torna réu; Janot o denuncia pela segunda vez, agora por contas na Suíça

19.abr.16
Maranhão anuncia restrições ao conselho, que só poderá analisar se Cunha mentiu ou não à CPI