quinta-feira, 24 de março de 2016

Quero clamor pelo Rafael Braga

Entendo toda comoção em torno da defesa das liberdades e garantias democráticas. De fato, o que está acontecendo no quadro nacional, de juristas passando por cima de leis como se fossem deuses, é extremamente preocupante. Do ponto de vista das conquistas estabelecidas na Constituição de 1988, toda essa seletividade do que é noticiado, do que é "prova" de crimes e do que não é, me dá nos nervos. E não pode ser admitida.

Mas, confesso que estou incomodada com uma coisa... Não vejo esta comoção quando o assunto é a garantia das liberdades individuais, a defesa da democracia para a população pobre, negra, moradora de favelas ou periferias. Por que não há barulho quando a vida na periferia está militarizada? Por que só há ameaça à democracia quando a classe média e/ou a "classe política" são atingidas?


Grafite com o rosto de Rafael Braga. Foto de Elisa Monteiro
Cadê a comoção pelo Rafael Braga? Eu quero clamor pelo Rafael! Uma série de normas e regulamentos do direito civil e penal foram desrespeitados em todo o processo que o tornou culpado. Para ele não houve ruas ocupadas em defesa da democracia, das leis, da Constituição. Será que para ele não é triste ser acusado e condenado por um crime que não cometeu?! Essa máxima só vale pra classe média? Só vale para políticos?

Pensemos em quantos outros "Rafaéis" existem por aí. Uma pancada de gente presa injustamente. Cerca de 40% está presa aguardando julgamento. Boa parte por crimes cujas penas são menores do que o tempo em que já estão encarceradas. Tudo isso atenta contra a Constituição. 

Sou pela defesa da democracia, mas de uma democracia plena! Assim como a justiça não pode agir com seletividade, nós também não podemos. 

História breve – o Rafael Braga foi preso em 2013, no contexto das manifestações (fortemente reprimidas pelo aparato policial da... democracia), por portar uma garrafa de Pinho Sol cheia de... desinfetante. Ele negro, pobre, morador de rua, sem nenhuma articulação política, não era militante de esquerda, foi preso por policiais acusado de portar material explosivo.

Na mesma época, um grupo de 23 jovens foi preso acusado de formação de quadrilha por protestar neste tal Estado Democrático de Direito, que em pré-Copa não podia existir, não é verdade? Liberdade, liberdade, era preciso garantir a qualquer custo a ordem para a realização dos jogos. Bem, todos os jovens, exceto o Rafael Braga, conseguiram responder ao processo em liberdade. A Sininho seria a "líder" da suposta quadrilha que na verdade nunca existiu.

Bem, foram todos libertados, menos o Rafael Braga. Ele permaneceu preso desde junho de 2013. Foi a julgamento. A defesa dele foi realizada por uma junta de advogados que se sensibilizaram com o caso. Foram apresentadas provas de que o material que ele portava não era explosivo, nem inflamável e nem tinha potencial nenhum para um "ataque terrorista".... apesar de tudo isso ele foi condenado. A palavra de dois policiais dizendo que o Pinho Sol era perigoso teve mais peso do que as provas em contrário. Rafael foi o único condenado pelas manifestações daquele ano. 

Pegou cinco anos de prisão.

Conseguiu passar para o semi-aberto, se abrigou na casa de familiares, mas precisou ficar com uma tornozeleira eletrônica no pé. Aí um belo dia resolveram tirar uma foto dele ao lado de um grafite, numa parede. Lá estava escrito: "Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima para baixo". O diretor  do presídio viu e – ignorando o direito à livre manifestação e liberdade de expressão – entendeu que Rafael cometeu crime contra o Estado. Voltou para a cadeia.

Meses depois foi solto, após várias manifestações da esquerda-esquerda-mesmo, novamente com tornozeleira. Volta pra favela onde familiares moram. Daí, numa bela manhã, ele vai comprar pão e dois policiais que faziam uma incursão o prendem, acusando-o de tráfico. Ele, que estava de tornozeleira eletrônica, teria passado a "aviãozinho" do tráfico da região.

Segundo uma testemunha, Rafael apanhou dos policiais pra confessar que era bandido. Recebeu ameaça de estupro. Não confessou. Foi pra delegacia. Os policiais entregaram 0,6 g de maconha e 9,3 g de cocaína alegando que a droga foi encontrada com ele e que ele a estava traficando. Como um cara com uma tornozeleira eletrônica vai traficar por aí, sabendo que tem seus passos vigiados? E vai correr esse risco todo por menos de 1 g de maconha?! E menos de 10 g de cocaína?! E tudo isso às 9h, ao lado de uma UPP?!



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