quinta-feira, 14 de abril de 2016

Audiência robotizada e viralização da notícia

O que o jornalismo nas redes e o marketing têm em comum na atualidade? A capacidade de "viralizar" conteúdos e de construir audiência e até comentários mecanizados. Tudo para inflar o compartilhamento de informações e pautar a sociedade a partir de interesses ligados aos das grandes elites nacionais. Este foi um dos diagnósticos de um debate ocorrido na Casa da Ciência da UFRJ, no dia 12 de abril. Em tempos de discussões cada vez mais acaloradas e ódio destilado para todo lado, é sempre bom ouvir ou ler quem estuda o assunto. Vamos?


Amanhã, você acompanha aqui as análises (realizadas neste mesmo debate) sobre a TV brasileira.

A cada matéria atualizada, robôs ligados aos perfis dos veículos nas redes sociais disparam compartilhamentos, de forma a inflar a audiência. "Os robôs constroem tendências e, com isso, tendem também a pautar a sociedade", disse o professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo.


Professor Fábio Malini, da UFES. Foto: Silvana Sá
A novidade neste processo são os chamados "bots", robôs de redes sociais que passam a interagir com o público. Além da audiência artificial, eles geram interações igualmente artificiais. "Um exemplo clássico é quando você não gosta de uma matéria e faz um comentário de crítica e, pouco depois, começam a surgir comentários elogiando o texto, o assunto, a abordagem”.

O professor esclareceu que o uso desse tipo de ferramenta na comunicação não é contra a lei, mas suscita um debate em torno da "robotização da política". A consequência direta deste processo, segundo Malini observou em suas pesquisas, é o que ele chama de "robotização dos humanos". "Insistentes 'memes' políticos de apelo emocional fazem as pessoas replicarem os conteúdos quase que automaticamente". De acordo com Malini, o principal portal brasileiro a utilizar robôs para "viralizar" seus conteúdos é o G1, do Grupo Globo.

A narrativa

Esse novo fazer jornalístico cria, segundo o docente, uma nova forma de narrar acontecimentos. Isto, para Fábio Malini, é uma espécie de resposta às jornadas de junho de 2013. "Vídeos de dentro das manifestações aumentavam a audiência em torno dos acontecimentos e contestavam toda a narrativa montada pelos grandes veículos de comunicação. Houve uma verdadeira desmoralização da narrativa da imprensa".

Em 2014, o movimento "Não Vai Ter Copa" foi o primeiro fora da mídia tradicional a utilizar robôs no compartilhamento de conteúdos. "Houve a apropriação dessas manifestações na rede por um conjunto de atores políticos que vão desaguar no 'Vem Pra Rua'. Por outro lado, houve utilização de robôs também acusando aquele movimento de antipatriótico. Enfim, mais um erro da série de equívocos que o governo cometeu".

Guerra do convencimento


Professor Henrique Antoun, da UFRJ. Foto: Silvana Sá
Para Henrique Antoun, professor da ECO/UFRJ, a guerra das narrativas consiste em "convencer a todos de que algo, que não existe, realmente existe e deve ser encarado com muita seriedade". "E, para isto, não faltam revistas, TVs, jornais, campanhas publicitárias e, inclusive, pessoas que repetem lentamente e iterativamente a mesma frase para convencer as pessoas de que aquilo é muito importante". Como exemplo, ele citou as recorrentes vezes que âncoras dos telejornais, sobretudo da Rede Globo, repetiram a palavra "vândalo" e suas derivações, por ocasião das manifestações de junho de 2013.

No caso do processo do impeachment, a situação toma contornos mais graves, na visão de Antoun. "Estamos sendo assediados há mais de dois anos e ela (a imprensa) gera mesmo revolta, ódio, doenças psíquicas. É uma campanha planejada e que tem roteiro. No caso do Brasil, este é um processo facílimo: quatro donos da mídia. Todos os quatro empregados dos oligarcas que mandam neste país. São 71 mil pessoas que têm como seus empregados os donos da mídia e os políticos do Congresso".

Mentira e verdade. Democracia e paixões

Citando o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o professor ilustrou o atual momento político, cercado de discussões acaloradas e impregnado de uma atmosfera de ódio que costuma permear discussões entre favoráveis e contrários ao impeachment. "A maior parte do tempo nós vivemos imersos em meias-verdades e em meias-mentiras. Como, no meio disso, eu posso falar para governar honestamente? Foucault vai mostrar que este processo não passa pelo convencimento racional, nem pela discussão. Só existe um modo de sair desse ciclo: é a explosão das paixões. Paixões que constituem, em última instância, um espaço aberto racional; que predispõem uma discussão, que permitem a democracia. A democracia aparece exatamente quando a mentira desaba e a verdade emerge pela luta das paixões".


O debate foi promovido pela Escola de Comunicação da UFRJ, com o apoio da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj). Matéria publicada originalmente no site da Adufrj.

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