sexta-feira, 8 de abril de 2016

Não existe rombo da Previdência, defende economista

Nesta semana a economista e professora da UFRJ, Denise Gentil, deu uma bela e esclarecedora palestra na universidade sobre o sistema de financiamento da Seguridade Social e afirmou que a Previdência não tem um "rombo", como ouvimos tantas vezes os governos e a imprensa alardearem. Por que, então, seria necessária uma reforma? A docente, que é especialista em finanças públicas, respondeu a essa e a outras perguntas.

Desonerações fiscais (ou isenções) têm sido marca crescente dos últimos governos (tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal). No âmbito federal, são realizadas também sobre recursos que deveriam compor a receita da Previdência Social e o financiamento de todo o sistema de Seguridade Social — que inclui a Saúde, a Previdência e a Assistência Social. Em 2015, a União abriu mão de aproximadamente R$ 62,5 bilhões que seriam destinados à Previdência. 

Somadas todas as desonerações que compõem o orçamento da Seguridade, o montante chegou a R$ 157,64 bilhões e equivaleu a 2,75% do PIB no ano passado. É isso mesmo que você leu. Somente em 2015 deixaram de entrar nos cofres públicos mais de cento e cinquenta bilhões de reais! Os dados foram apresentados por Denise Gentil, economista e professora da UFRJ, especialista em finanças públicas. A palestra foi realizada no dia 5, organizada pelo Núcleo da UFRJ pela Auditoria Cidadã da Dívida Pública.


Acompanhe o Blog do Núcleo da UFRJ. Lá você encontra o vídeo com a palestra na íntegra e as tabelas apresentadas pela professora Denise.

O carro-chefe do ajuste fiscal, anunciado como necessário para superar a crise – tanto pelo governo de Dilma Rousseff, quanto pela oposição – é a Reforma da Previdência. A justificativa seria sanar um “rombo” estimado em R$ 85 bilhões, segundo os defensores da medida. Mas, de acordo com os números de Denise Gentil, isto não é verdade. A Seguridade Social é superavitária e não deficitária. Em 2015, os dados preliminares apontam que, considerando todos os gastos realizados pela Seguridade, o saldo foi positivo em R$ 16 bilhões. Em 2014, o valor consolidado foi de R$ 35 bilhões em receita líquida. 

Discursos contraditórios


Professora Denise Gentil. Foto: Silvana Sá
“Chamo atenção para a contradição entre o discurso que aponta déficit e as desonerações realizadas. Se eu tenho um rombo de R$ 85 bi, como abro mão de R$ 62,5 bi em um único ano?”, questionou. Outro aspecto levado em conta pela docente é a desvinculação de receitas da União (DRU), mecanismo que permite ao governo utilizar livremente 20% de tudo o que é arrecadado com os impostos. Há projeto para que o percentual passe a ser de 30%. “Não é contraditório desvincular receitas de um sistema deficitário?”. A docente informou, ainda, que a Previdência é capaz de obter mais ganhos que outros investimentos realizados pela União. “Estudos comprovam que, para cada R$ 1 aplicado na Previdência, retorna para os cofres públicos R$ 1,04. O sistema foi montado para dar certo”.

Outro ponto abordado pela docente é a incoerência de argumentos que apontam o envelhecimento da população e a necessidade de pensar o futuro. “Em 2028, estaremos no ápice da força de trabalho do Brasil. Nós vamos ter o maior número de jovens no mercado de trabalho. Em vez de o governo se perguntar o que faremos com todos esses jovens quando chegarem ao mercado de trabalho, nós estamos sendo assediados com uma reforma da Previdência que pode quebrar o sistema em 2040”.

Por que a reforma?

A razão para a Reforma da Previdência, então, não estaria relacionada a uma necessidade real, tampouco à insustentabilidade atribuída ao sistema previdenciário, mas ao lobby de bancos e empresas para a "financeirização" de todo o sistema de amparo social. "Valores expressivos deixaram de compor a receita da Seguridade, sem contrapartidas. Não houve manutenção dos postos de trabalho, nem realização de novos investimentos", disse a economista.

De acordo com a professora, em 2015 o governo federal renunciou a R$ 25 bilhões dos planos de saúde. “Receitas que poderiam compor o orçamento do SUS, mas estão servindo apenas para dar sustentação a essas empresas, aumentando, inclusive, suas margens de lucro”.

No campo da educação, as reformas estão em curso com a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, por meio, principalmente, do Prouni e do Fies. Este último ainda mais “perverso”, segundo Denise Gentil, porque “endivida os estudantes para o futuro”. “Justamente as políticas sociais, que são o carro-chefe dos governos petistas, são hoje financeirizadas”. O bolo maior, e restante, neste processo seria a Previdência Social que consome 21,76% do orçamento da União. Outros 45,11% deste orçamento já são destinados ao pagamento de juros e amortização da dívida pública.

* Matéria originalmente veiculada no site da Adufrj-SSind.

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